Embrapa Meio-Norte
Sistemas de Produção, 1
ISSN 1678-8818 Versão Eletrônica
Jan/2003
Agricultura Familiar
Autores

Introdução
Importância econômica
Caprinos
Galinha Caipira
Mandioca e Arroz
Mandioca e Feijão-Caupi
Referências bibliográficas

Expediente

Importância econômica

Diagnóstico, Proposição, Validação

O Meio-Norte do Brasil apresenta uma população de 8,48 milhões de habitantes, dos quais 5,64 milhões residem no Maranhão e 2,84 milhões, no Piauí. No Maranhão, 40,49% da população (2,29 milhões) vive no campo, constituindo o Estado com a maior população rural do país. A população rural do Piauí é de 1,05 milhão de habitantes (37,10%), composta, em sua maioria, de agricultores familiares com baixo poder aquisitivo e acesso limitado à tecnologia.

Entretanto, apesar de uma parcela significativa da população desses dois Estados ser essencialmente rural, existe uma carência muito grande de alternativas tecnológicas adequadas às condições socioeconômicas dos agricultores familiares, fazendo com que os mesmos subsistam às custas de métodos extremamente ineficientes de produção agropecuária. Tal situação decorre do fato de que as pesquisas desenvolvidas, geralmente, não têm levado em consideração os sistemas de produção adotados pelos agricultores, oferecendo, em contrapartida, tecnologias por produto, as quais sugerem o uso intensivo de insumos modernos e de capital, que são escassos para o pequeno agricultor e descaracterizam a forma de uso da mão-de-obra que, em geral, é de origem familiar.

A tecnologia para a agricultura familiar deve ser simples, popular e basear-se nos seus próprios sistemas de produção, dando ênfase aos recursos locais e nativos. O desenvolvimento da agricultura familiar deve começar com o conhecimento das necessidades dos produtores e da forma como eles as percebem.

No Piauí, o sistema de produção agrícola familiar em uso consiste, basicamente, num consórcio de três ou mais culturas em roça não-destocada, cujo preparo da área se resume na derrubada da vegetação e queima. Trata-se de um sistema de agricultura itinerante, no qual após um ciclo de cultivo, a área é mantida sob repouso por 6 a 10 anos, para regeneração da vegetação. O sistema de produção animal ocorre de forma extensiva, sem qualquer amparo tecnológico, seja com relação às instalações, ao melhoramento genético ou aos manejos alimentar e sanitário.

Com base nesse quadro, a Embrapa Meio-Norte está validando alternativas tecnológicas para a melhoria dos sistemas de produção agropecuária, em uso pelos agricultores familiares. O projeto está sendo executado na comunidade Boi Manso, município de Regeneração, o qual encontra-se situado na microrregião do Médio Parnaíba piauiense, utilizando uma metodologia participativa, que prevê o envolvimento dos membros das comunidades nas decisões a serem tomadas. Tal metodologia consiste, essencialmente, nas seguintes etapas:

  • Diagnóstico da situação das unidades familiares e de seus sistemas de produção.
  • Proposição de melhorias tecnológicas para os sistemas de produção.
  • Validação de alternativas tecnológicas, gerenciais e organizativas dos principais sistemas de produção identificados.

Diagnóstico

Foi realizado, em 1997, o levantamento da situação socioeconômica das unidades familiares das comunidades, e dos seus sistemas de produção. O diagnóstico constou da aplicação de 99 questionários em 26 comunidades, que possuíam associação de pequenos produtores rurais, nos municípios de Amarante, Jardim do Mulato e Regeneração, situados na microrregião do Médio Parnaíba piauiense. Os resultados obtidos foram os seguintes:

Cerca de 68,7% dos chefes de família e 63,7% das donas de casa eram analfabetos. O modo de produzir não incluía, praticamente, o uso de insumos. A tecnologia indicada pela pesquisa não tinha sido, ainda, incorporada ao processo produtivo, mesmo aquelas mais simples. Verificou-se que 97% das sementes utilizadas para semeadura eram retiradas da própria produção. Cultivavam arroz, milho, feijão, mandioca e fava, geralmente, em consórcio de até quatro culturas (Figura 1), justificando a baixa produtividade individual. A distribuição das culturas dentro do consórcio, em 85% dos casos, era feita de acordo com a própria experiência ou de agricultores vizinhos. No consórcio mais utilizado (arroz + milho), que era praticado por 31% dos agricultores, os rendimentos médios obtidos no ano de 1997 foram de 1.085 kg.ha-1 de arroz e 400 kg.ha-1 de milho.



Figura 1. Consórcio de arroz, milho, mandioca e fava cultivado em roça não destocada, na microrregião do Médio Parnaíba piauiense, em 1997.

O cultivo desse consórcio era, geralmente, estabelecido em áreas de baixada, onde o arroz era plantado aleatoriamente entre as fileiras de milho, espaçadas de, aproximadamente, 2,20 m entre si. A exploração contínua do solo, sem os devidos cuidados para sua recuperação vinha tornando-o degradado e impróprio para a agricultura. Os produtos obtidos eram de qualidade inferior, especialmente a farinha de mandioca, cujo processamento vinha sendo realizado de maneira rudimentar e sem observar os princípios de higiene. Em conseqüência disso, o preço do produto no comércio local equivalia a cerca de 25% do preço dos produtos procedentes de outros Estados.

O cultivo de hortaliças nas diversas comunidades vinha sendo feito em canteiros suspensos, construídos de madeira roliça. As hortaliças mais cultivadas eram coentro, cebolinha, tomate, pimenta, pimentão e quiabo, plantadas em quase todas as comunidades. Nos mesmos canteiros de hortaliças cultivavam-se, também, plantas medicinais, como erva-cidreira, mastruço, babosa, erva doce, velame, hortelã e arruda.

Os caprinos, ovinos, suínos e aves (principalmente galinha caipira) eram criados em regime extensivo, sem amparo tecnológico apropriado (Figura 2). Eram poucos os agricultores que dedicavam alguns cuidados aos animais. Apenas 38% faziam a vacinação de forma não-sistemática, 36% faziam, ocasionalmente, a vermifugação e o combate aos ectoparasitas e 56% combatiam as doenças, geralmente, com produtos naturais da região, apoiados no seu próprio conhecimento empírico. As instalações existentes apresentavam problemas estruturais, como área insuficiente para abrigar os animais, falta de divisões internas, teto baixo e solo de pouca drenagem. Todos esses fatores dificultavam a realização de práticas de manejo rotineiras, principalmente a higienização.




Figura 2. Sistema tradicional de criação de animais, sem introdução de tecnologia.


Proposição

Com base nos dados obtidos, o grupo de trabalho, composto de pesquisadores, extensionistas e agricultores da comunidade Boi Manso sugeriu o fortalecimento dos sistemas de produção agropecuária em uso, mediante introdução de tecnologias simples e de fácil execução, que resultassem na melhoria da qualidade dos produtos, agregassem valores e utilizassem os recursos disponíveis na propriedade, como a madeira, restos de culturas, etc. Para fundamentar o trabalho, foi efetuado o levantamento dos dados referentes aos sistemas de produção agropecuária utilizados na comunidade a ser trabalhada, para fins de comparação (Tabelas 1 e 2).

Tabela 1. Valores referentes à área média cultivada com o principal sistema de produção agrícola, produtividade das culturas, quantidade de alimentos produzidos pelas famílias, vendidos e consumidos, na Comunidade Boi Manso, Regeneração, PI. 1997
.

 

Tabela 2. Percentagem de famílias que se dedicavam à criação de animais, quantidade de animais existentes, consumidos e vendidos por família, durante o ano de 1997, na Comunidade Boi Manso, Regeneração, PI.



Entre os fatores considerados fundamentais para a melhoria das atividades foram identificados a necessidade de assistência técnica, o uso de tração animal, o uso de irrigação e de sementes selecionadas, indicados por 14%, 10%, 9% e 6% dos agricultores, respectivamente. Entretanto, 75% dos produtores gostariam de fazer um financiamento com juros baixos para essas atividades, além de plantarem cajueiro, aumentarem a área de lavoura e cercarem parte de suas terras, para efetuarem o plantio de pastagens, com o objetivo de melhorarem e aumentarem a criação de caprinos.

A maioria dos chefes de família (80%) estava satisfeita com a vida no campo, pela tranqüilidade, o gosto pela lavoura e criações, vivia por conta própria ou porque da lavoura tiravam o sustento da família. Em torno de 20% deles queriam ir morar na cidade, justificando que o campo não oferecia condições dignas de sobrevivência. As moradias mais comuns eram construídas com paredes de adobe (tijolo cru) e cobertura de telha, com piso, geralmente, de chão batido. Este tipo de moradia representava 41% do total das residências, seguido das moradias com paredes de taipa e cobertura de palha de babaçu (34%). Apenas 9% das moradias tinham privadas com fossas.

Os dados do diagnóstico foram avaliados por um grupo de pesquisadores e extensionistas da região e, em função dos resultados obtidos, foram selecionadas quatro comunidades, entre elas, a comunidade Boi Manso, localizada no município de Regeneração, a qual é objeto desse trabalho.

Validação

Encontram-se atualmente em validação os sistemas de produção agrícola (mandioca + arroz e mandioca + feijão), o sistema de criação de caprinos e o sistema de criação de galinhas caipiras, por serem os sistemas de produção mais importantes, tanto do ponto de vista da alimentação, como da comercialização. Também estão sendo implementadas, como atividades subsidiárias, a melhoria do sistema de produção apícola, produção de hortaliças e introdução de fruteiras para o consumo familiar.

O sistema proposto consiste na implantação de Unidades Centrais, as quais servem de modelo para as Unidades Periféricas (Figura 3). Cada unidade periférica poderá conduzir mais de um sistema de produção (ex.: caprinos, galinhas caipiras e culturas agrícolas).

Figura 3. Modelo esquemático de Comunidade agrícola familiar.

As unidades centrais ou de modelo serão compostas por uma infra-estrutura de produção dotada de poço tubular e equipamentos para fornecimento de água, armazém e estrutura para agregação de valores (casa de farinha, máquina de beneficiamento, indústria de doces, queijos, etc.). As unidades centrais também deverão, preferencialmente, ser compostas por uma infra-estrutura social dotada de posto de saúde, escola e energia elétrica. As unidades periféricas, por sua vez, são compostas pelos sistemas agropecuários dos membros da comunidade, os quais são conduzidos com base nas tecnologias validadas na unidade modelo.

Está previsto, nesse contexto, o desenvolvimento socioeconômico da comunidade, através de uma parceria entre a Associação dos Agricultores das Comunidades Boi Manso, Pau D`Arco e Caxingó, a Embrapa Meio-Norte, a Prefeitura do município de Regeneração e o Banco do Nordeste. A Prefeitura se responsabilizará pela disponibilização de uma infra-estrutura social, viabilizando o abastecimento d`água, escola e posto de saúde para a comunidade. A associação dos moradores das comunidades se compromete a colocar à disposição do projeto a mão-de-obra necessária à execução das atividades. A Embrapa Meio-Norte é responsável pela validação dos sistemas de produção e pela orientação técnica aos agricultores membros da associação. O Banco do Nordeste é responsável pela concessão de financiamentos para a implantação dos sistemas de produção agropecuário nas unidades produtivas.

A execução dos trabalhos nas unidades centrais é feita pelos próprios agricultores familiares membros da associação, com a devida orientação e apoio da Embrapa Meio-Norte, Extensão Rural e Prefeitura Municipal.

 

 

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