Sistema de Produção de Destilado de Vinho

Luiz Antenor Rizzon
Júlio Meneguzzo

Elaboração

A produção de destilado de qualidade requer a elaboração de vinho especialmente para destilar. Geralmente, na Serra Gaúcha, os destilados de vinho são obtidos a partir de vinhos com defeitos e que, por isso, não são comercializados como vinhos de mesa.

Os vinhos a destilar, normalmente, são elaborados pelo processo de vinificação em branco, sem a clarificação do mosto e sem a utilização de dióxido de enxofre. Como não é utilizado nenhum anti-séptico, o álcool e a acidez funcionam como conservadores para o vinho até o momento da destilação. Esse é um dos motivos por que os vinhos para destilar devem apresentar acidez total elevada.

As características de um vinho para destilar são diferentes daquelas de um vinho para consumo. Os primeiros devem apresentar aroma fino, acidez fixa elevada, baixo teor de tanino e álcool.

Após a fermentação, o vinho pode ser conservado sobre as borras sem trasfegas. A destilação deve ser feita imediatamente após a conclusão de fermentação alcoólica, principalmente quando o vinho apresentar acidez baixa. Em alguns casos de acidez fixa baixa, é recomendável a acidificação com ácido tartárico para conservar o vinho.

A utilização de dióxido de enxofre não é recomendável, pois favorece a formação de aldeído acético no vinho, componente que participa, negativamente, na qualidade do destilado. Além disso, determina uma fermentação alcoólica mais pura em relação às linhagens de leveduras e ainda favorece o arraste de cobre durante a destilação.

O grau alcoólico do vinho para destilar não deve ser elevado, por isso a chaptalização não é recomendada. Teor compreendido entre 7,0°GL e 10,5°GL de álcool é o ideal para vinhos para destilar. Vinhos com grau alcoólico mais baixo são mais fáceis para destilar e, como para produzir a mesma quantidade de destilado é necessário maior volume de vinho, há maior concentração de substâncias aromáticas.

O teor de taninos do vinho para destilar deve ser baixo, uma vez que teores elevados são responsáveis pela produção de gosto amargo desagradável no destilado. Esse é, além do problema do metanol já referido, outro aspecto por que os vinhos tintos não são recomendados para destilar. Vinhos de acidez fixa baixa e pH elevado são mais suscetíveis ao ataque de bactérias e conseqüente formação de compostos secundários, como a acroleína responsável por aroma e gosto desagradáveis nos vinhos e destilados. Por isso, é recomendável efetuar a destilação antes que o vinho sofra a transformação de agentes bacterianos, quando estiverem ainda protegidos por uma camada de CO2, formada na fermentação alcoólica. Além disso, a conservação do vinho, por um período prolongado com as borras, favorece a formação de compostos que liberam aromas desagradáveis, tais como o ácido sulfídrico e o mercaptano.

A utilização de levedura seca ativa não é aconselhável, visto que, segundo alguns autores, as leveduras nativas originam vinhos de melhor qualidade para destilar.

Os vinhos para destilar devem ser secos com a fermentação maloláctica concluída. As variedades ricas em pectinas e, especialmente, as tintas devem ser evitadas, pois liberam quantidades elevadas de metanol.

Descrição do destilador "Charantais"

O destilador "Charantais", também designado alambique, é construído em cobre martelado ou laminado para aumentar a resistência e tornar a superfície mais lisa de modo a evitar a formação de crosta pelas borras ou ácidos graxos e facilitar a limpeza.

O cobre foi escolhido por apresentar as seguintes características:

  • é um metal maleável;
  • é um bom condutor de calor;
  • possui boa resistência à corrosão;
  • apresenta efeito catalítico a certas reações químicas e
  • favorece a complexão de ácidos graxos, mercaptanos e tióis que provocariam gostos desagradáveis ao destilado.

O destilador "Charantais" (Fig. 1) é formado pelas seguintes partes:

Fig. 1. Destilador "Charantais" utilizado para a produção do destilado de vinho.

Fornalha

Deve ser construída de modo que a chama não alcance nas laterais o nível superior da vinhaça, quando a destilação estiver concluída. O tubo de esvaziamento da caldeira deve estar envolto pela alvenaria da fornalha, de modo a evitar o contato direto com a chama.

Caldeira

Construída de cobre, deve propiciar boa uniformidade de aquecimento do vinho. A capacidade máxima estabelecida é de 30 hL, dos quais 25 hL de carga. A forma da caldeira é reta ou de "cebola" sendo o fundo ligeiramente convexo para facilitar a retirada da vinhaça e a limpeza. A espessura máxima das paredes deve ser de 5 mm e o fundo deve apresentar maior espessura. A parte superior da caldeira deve ficar fora da alvenaria para facilitar o resfriamento. O aquecimento deve ser feito através de fogo direto, utilizando-se lenha ou gás de cozinha. O aquecimento à gás é, atualmente, o mais difundido e o mais prático.

Capitel

A função do capitel é canalizar os vapores formados na caldeira, permitindo uma recondensação parcial dos mesmos, melhorando, assim, a separação dos constituintes do vinho.

As formas mais antigas e baixas do capitel designadas "Cabeça de Mouro" proporcionam pouca retificação, assim como aquelas de forma de azeitonas. Atualmente, predominam as formas de "cebola" que são mais difundidas e propiciam maior grau de retificação ao destilado.

Pescoço de cisne

É a parte contínua e curva do capitel. Serve para efetuar a operação complementar de retificação, canalizando os vapores até a serpentina. Deve ser o mais estreito possível no início.

Aquecedor do vinho

Constitui um dispositivo para recuperação do calor. Quando bem utilizado, serve para economizar tempo, combustível e água de refrigeração. Permite elevar a temperatura do vinho antes de entrar na caldeira para 45°C a 50°C. Quando utilizado inadequadamente, pode prejudicar a qualidade do destilado, pois é responsável por oxidações acentuadas. A capacidade do aquecedor do vinho deve ser próxima àquela da caldeira.

Serpentina

É a parte contínua do pescoço de cisne formada por um tubo cilíndrico, de diâmetro maior na parte superior para facilitar a condensação dos vapores alcoólicos. Fica submersa em um recipiente de água fria e corrente para condensar e resfriar o destilado.

Recipiente de resfriamento

É um reservatório de água para condensação e resfriamento do destilado. Apresenta um gradiente de temperatura elevado, pois mede 70°C a 80°C na parte superior e, aproximadamente, 10°C na superior. A temperatura de saída do destilado é importante para a qualidade do mesmo. Assim, na primeira destilação, a "corrente" deve sair com uma temperatura entre 13°C e 15°C. Já para o destilado, na segunda destilação, a temperatura de saída recomendada é de 17°C a 19°C.

Porta-alcoômetro

Permite controlar continuamente o grau alcoólico e a temperatura de saída do destilado. Além disso, possibilita efetuar a filtração do destilado, retendo os complexos cúpricos formados com os ácidos graxos antes de encaminhar para a barrica. É nesse momento que se evapora uma parte de alguns constituintes mais voláteis indesejáveis, como é o caso do aldeído acético e do acetato de etila.

O porta-alcoômetro permite também a retirada de amostra para análise.

Papel do cobre na destilação

Na saída do destilador, o destilado contém entre 1 e 5 mg/L de cobre, o qual é arrastado na condensação dos vapores alcoólicos no capitel e na serpentina. Observa-se freqüentemente, no destilado, a presença de partículas gordurosas de coloração esverdeada, retiradas na flanela de filtração. Essas partículas são constituídas por sabões de cobre formados com os ácidos graxos butírico, capróico, caprílico, cáprico e láurico e, por serem leves, permanecem em suspensão no destilado.

O cobre da caldeira do destilador tem uma participação importante, pois fixa esses ácidos graxos, eliminando-os através de sabões insolúveis. Por isso, o cobre é indispensável para obter destilados de qualidade. No entanto, para o bom funcionamento, o destilador deve estar perfeitamente limpo. A lavagem deve ser feita a cada oito dias, quando se destilam correntes que é o produto da primeira destilação do vinho, e, a cada quatro dias, quando se destilam sucessivamente vinho e corrente. Por outro lado, um excesso de cobre favorece a produção de destilados duros, secos e, algumas vezes, até amargos. Situações constatadas nas primeiras destiladas de um destilador novo.

Limpeza da caldeira do destilador

Antes da destilação, é indispensável efetuar uma destilada com água pura na caldeira. Para facilitar a limpeza da serpentina e assegurar que não tenha vazamento, a operação é feita sem água no recipiente de refrigeração. Depois que os vapores de água passaram abundantemente, durante três ou quatro horas, a caldeira é aberta para completar a sua limpeza como também o capitel.

Geralmente, no final da destilação do vinho antes de destilar a "corrente", a caldeira deve ser aberta e lavada com a própria borra e esfregada com a ajuda de uma escova, que não seja metálica, seguida por uma lavagem com água fria. Para realizar uma lavagem mais completa da serpentina, recomenda-se fechar a saída e enchê-la de vinhaça seguida pela passagem de água fria.

Aspectos práticos da destilação

Na destilação, o ponto de ebulição do vinho, na caldeira, aumenta gradativamente. A proporção de álcool, nos vapores que se formam, é maior em relação ao vinho.

Nem todos os compostos voláteis do vinho que são arrastados pelos vapores hidroalcoólicos passam com a mesma velocidade na destilação, pois pertencem aos mais diferentes agrupamentos químicos: álcoois, aldeídos, cetonas, ésteres e substâncias nitrogenadas entre outras.

O desafio de produzir bons destilados é complexo, pois é necessário eliminar ou controlar o teor de compostos prejudiciais ao gosto e à saúde, como é o caso do metanol e do 2-butanol, e, ao mesmo tempo, favorecer a presença de outras substâncias responsáveis pelos aromas específicos do destilado. Determinados constituintes do vinho passam integralmente para o destilado outros apresentam comportamento diferente. O teor final do destilado depende, por exemplo, das borras finas conservadas no vinho.

Deve-se preferir, para destilar vinhos bem elaborados, ácidos com aroma fino e pouco intenso. É recomendável efetuar a destilação logo após concluída a fermentação alcoólica. A conservação do vinho com as borras, por um período prolongado, não é indicado devido aos riscos de ataques microbianos (volta, produção de acroleína, oxidações). Em casos de destilação de um grande recipiente que requer um longo período, é conveniente trasfegar o vinho para recipientes menores, mantendo-os cheios.

As bombas utilizadas para transferir o vinho para o destilador não devem provocar oxidações violentas, pois prejudicam a qualidade do destilado. Antes de ser destilado, não convém conservar o vinho em locais de temperatura elevada como, por exemplo, próximo ao destilador e em recipientes de grande capacidade.

A aeração do vinho antes da destilação, geralmente é prejudicial à qualidade do destilado, por isso deve ser evitada. Em determinados casos, no entanto, quando o vinho apresenta cheiro de mercaptano, devido a uma longa permanência com as borras, uma aeração contribui para eliminar o problema. Caso a aeração não seja suficiente para eliminar o cheiro de mercaptano, a adição de 10 a 15 g de sulfato de cobre por hectolitro é recomendada.

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