Sistema de Produção de Vinho Moscatel Espumante

Luiz Antenor Rizzon
Júlio Meneguzzo
André Miguel Gasparin

Elaboração

A elaboração do vinho Moscatel espumante compreende duas etapas distintas: uma que corresponde à obtenção do mosto que abrange as operações pré-fermentativas e outra que é a fermentação alcoólica, incluindo a tomada de espuma. As principais etapas na elaboração de vinho Moscatel espumante são indicadas na Fig. 1.

Fig. 1. Operações para elaboração do vinho Moscatel Espumante.

Operações pré-fermentativas

O início das operações pré-fermentativas acontece com a colheita e transporte da uva. O cacho é separado da planta com auxílio de canivete ou tesoura. A uva colhida é colocada diretamente em pequenos recipientes e depois repassada para caixas plásticas com capacidade para 20 kg. Nessas caixas, é efetuado o transporte até a cantina, em caminhões. A colheita da uva, geralmente, é feita em uma só passada, embora na safra com maior incidência de podridão seja realizada uma seleção, considerando o aspecto sanitário. Seria interessante efetuar dois repasses para melhorar a qualidade da uva. A colheita é feita durante o período da manhã e da tarde sem maiores cuidados com a temperatura. Existe sempre, no entanto, a preocupação de não colher a uva quando estiver molhada, em dias de precipitação pluviométrica.

O recebimento da uva, na cantina, é feito através de registro de produtor, da pesagem da uva e posterior determinação do teor de açúcar do mosto.

Com a separação da ráquis iniciam-se as operações para a extração do mosto. Tendo em vista que a ráquis não alcança um nível adequado de maturação, a sua separação antecipada é de fundamental importância para a qualidade do vinho Moscatel espumante. A participação da ráquis acentua os gostos amargos e herbáceos. A separação da ráquis é feita com máquinas designadas desengaçadeiras-esmagadeiras.

O esmagamento da uva é feito pela prensagem da mesma através de dois rolos revestidos de borracha com ranhuras, cuja distância é regulável. Essas máquinas não trituram a película e formam pouca borra devido à velocidade moderada em que atuam.

A extração do mosto pode ser realizada com a utilização de prensas horizontais e de esgotadores que podem ser estáticos ou dinâmicos. A prensagem da uva é realizada com prensas horizontais de pratos de 4 a 6 toneladas de capacidade e também em prensas pneumáticas. Os mostos obtidos nos três primeiros níveis de pressão, que representam entre 85 a 90% do total, são vinificados separadamente daqueles obtidos com pressões mais fortes.

O processo de extração do mosto utilizando esgotadores dinâmicos é pouco utilizado para elaboração do vinho Moscatel espumante. O aparelho consiste numa rosca sem fim inclinada que conduz a uva previamente esmagada, enquanto o mosto escorre por uma superfície perfurada onde é recolhido na parte inferior. Quando obtido por esse processo pode alcançar 15% a 20% de borra, além de apresentar dificuldade de clarificação.

A utilização de esgotadores estáticos do tipo "poter" é outro processo utilizado para extração do mosto para posterior elaboração do vinho Moscatel espumante. Este processo permite trabalhar com grande quantidade de uva. É utilizado ainda nos casos em que a capacidade de prensagem da uva é menor em relação àquela que entra na cantina, funcionando, nesse caso, como tanque pulmão. Através desse processo, é possível obter mostos com pouca borra, uma vez que o trabalho mecânico da uva é reduzido e os mostos extraídos límpidos, pois sofrem uma verdadeira filtração através da passagem entre a parte sólida da uva. Esse tipo de equipamento apresenta o inconveniente de favorecer a maceração e a oxidação do mosto. O problema se acentua com o aumento do tempo de permanência da uva esmagada no recipiente. Esse processo é sempre complementado por um trabalho de prensagem por não permitir extrair mais do que 50% do total do mosto.

Clarificação do mosto

O processo mais usual de separação das partículas sólidas dos mostos é a sedimentação seguida de sifonagem do mosto límpido, ficando o depósito no fundo do recipiente. A sedimentação das borras supõe atrasar o início da fermentação alcoólica por um período mínimo de 24 horas.

O atraso do início da fermentação é conseguido através da utilização do dióxido de enxofre e do resfriamento do mosto, sendo que o último processo é o mais difundido. Os produtos enológicos sol de sílica/gelatina, enzima e bentonite são utilizados para favorecer a sedimentação.

O emprego de enzima pectolítica, na base de 1 a 2 g/hL, promove a hidrólise das pectinas, favorecendo a sedimentação das partículas sólidas e conseqüentemente, o rendimento em mosto.

A clarificação do mosto para elaboração do espumante pode ser feita também por processos dinâmicos como a centrifugação, a filtração com filtros rotativos a vácuo e filtros prensas tradicionais que utilizam auxiliar filtrante.

A centrifugação é utilizada nos estabelecimentos que têm necessidade de clarificar um volume elevado de mosto e o rendimento horário pode ser superior a 20 mil litros. A centrifugação pode ser aplicada no mosto logo após a sua extração ou depois de um período de repouso que permite depositar as partículas maiores. Embora seja um processo rápido, a centrifugação não permite obter uma qualidade de clarificação do mosto comparável à estática.

A filtração é outra prática utilizada para clarificação do mosto. Através desse processo, obtêm-se mostos perfeitamente límpidos. As dificuldades para a utilização desse processo referem-se à grande superfície de filtração necessária para uma vazão adequada e evitar a colmatagem rápida. Os melhores aparelhos para clarificar os mostos são os filtros circulares rotativos à vácuo que utilizam auxiliares de filtração (terras infusórias ou perlitas).

Fermentação alcoólica

A fermentação alcoólica corresponde à transformação do açúcar do mosto em álcool, dióxido de carbono e outros componentes secundários pela ação das leveduras (Saccharomyces cerevisiae). Para garantir a normalidade do processo fermentativo e a produção de compostos aromáticos agradáveis, além de obter um bom rendimento açúcar/álcool, é recomendável utilizar leveduras selecionadas, que estão disponíveis no comércio através de levedura seca ativa (l.s.a.), na proporção de 20 g/hL, a qual deve ser previamente hidratada em água morna a 33-35°C. A fermentação pode ser realizada em autoclaves ou em tanques de aço inoxidável, sempre com dispositivo para o controle da temperatura. A fermentação deve ocorrer sempre à temperatura baixa 13-15°C, de modo que o tempo de fermentação seja sempre superior a um mês de duração. No mosto, no início da fermentação alcoólica, geralmente é utilizada bentonite e caseinato de potássio na proporção de 50 g/hL e 100 g/hL, respectivamente dos dois produtos enológicos, para proteger da oxidação e contribuir com a estabilidade do vinho Moscatel espumante.

Nessas condições, a fermentação segue normalmente até a formação de 6% v/v de álcool; neste momento, quando o processo se desenvolve em autoclave, é necessário fechar a válvula para aproveitar o dióxido de carbono. Caso o processo de fermentação tenha se desenvolvido até aqui em tanque de aço inoxidável, é necessário passar para autoclave a fim de adquirir a pressão necessária. Nessa ocasião, recomenda-se efetuar uma análise do mosto/vinho o qual deve apresentar ao redor de 6% v/v de álcool, entre 80 e 90 g/L de açúcar. Caso o teor de açúcar estiver abaixo deste teor, deve-se corrigir com sacarose. A legislação de muitos países limita em uma quantidade máxima para formar 2% v/v de álcool, aproximadamente 35 g/L de sacarose. No Brasil, a legislação estabelece em 3% v/v de álcool o máximo de correção do açúcar para vinho de mesa. No caso do vinho Moscatel espumante, a pressão mínima é de 3 atmosferas, mas recomenda-se a produção de 5 atmosferas devido às perdas que acontecem. Para alcançar essa pressão é necessário fermentar entre 20 e 24 g/L de açúcar, o qual originaria também entre 1,2 e 1,4% v/v de álcool que, acrescido dos 6% v/v iniciais, resulta em 7,2-7,4% v/v que será a graduação alcoólica final.

Esta etapa da fermentação deve ser acompanhada cuidadosamente através da leitura dos manômetros da autoclave, aumento da pressão do dióxido de carbono e do desdobramento do açúcar (análise do álcool e do açúcar).

Quando o vinho Moscatel espumante alcançar a pressão esperada de 5 atmosferas e a graduação alcoólica de 7 a 9% v/v, a temperatura é reduzida para -2 a 33°C para provocar a parada de fermentação e favorecer a estabilização tartárica. Nestas condições, o vinho Moscatel espumante é filtrado com filtro à placa ou com cartucho e, por ocasião do engarrafamento filtrado, novamente com os mesmos materiais, mas com porosidade de 0,55 µm, com o cuidado de perder a menor quantidade possível de dióxido de carbono. Para efetuar a filtração à placa é necessário ter disponível duas autoclaves, para atuar em condições isobarométricas.

Características da levedura selecionada para a produção do vinho moscatel espumante

A tomada de espuma do vinho espumante é um tipo particular de fermentação, que acontece em ambiente fechado com aumento progressivo de pressão, devido ao dióxido de carbono. Neste sentido, o primeiro aspecto de tais leveduras é suportar altas pressões, em média 5 atmosferas, conservando nestas condições uma vitalidade suficiente.

Outra característica das leveduras para elaboração do vinho Moscatel espumante é a capacidade de fermentação a baixa temperatura, entre 12º e 15°C, para favorecer a tomada de espuma e a combinação do dióxido de carbono no vinho espumante o que, conseqüentemente, reflete uma melhor "perlage". Assim o produto ganha na qualidade organoléptica devido à maior fineza de aroma, ao tempo e à temperatura em que a fermentação é conduzida.

A participação desses dois fatores - alta pressão e temperatura baixa - representa um obstáculo para a fermentação com leveduras nativas.

A linhagem de levedura mais usada para elaboração do vinho Moscatel espumante é Saccharomyces cerevisiae var. ellipsoideus que, além das características enumeradas, apresenta boa capacidade de multiplicação, produz pouco dióxido de enxofre, ácido sulfídrico e acidez volátil. É recomendada também porque transforma lentamente o açúcar em álcool e dióxido de carbono, produz uma quantidade média de produtos secundários da fermentação alcoólica tais como: glicerina, aldeído acético e ácido pirúvico.

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