Sistema de Produção de Vinho Tinto

Luiz Antenor Rizzon
Luciano Manfroi

Fermentação

Uma das principais etapas do processo de vinificação é a fermentação alcoólica, que acontece simultaneamente com a maceração.

Nesse processo, participam agentes microbiológicos e, por isso, o local da fermentação deve ter boas condições higiênicas, água de qualidade e em quantidade suficiente. Além disso, deve ser amplo, para permitir a realização das operações de remontagem, descuba, prensagem, controle da temperatura e do teor de açúcar do mosto em fermentação. Na parte inferior das pareces da sala, devem haver aberturas, para facilitar a liberação do dióxido de carbono formado na fermentação alcoólica.

Os equipamentos instalados no setor de fermentação são os seguintes: pipas para fermentação, bombas para bagaço, bombas para remontagens e respectivas mangueiras, mastelas (pequenos recipientes), prensas, caracol ou esteiras para a retirada de bagaço dos tanques.

O processo fermentativo é iniciado imediatamente após a adição de 20 g/hL de levedura seca ativa (Saccharomyces cerevisiae). Essa levedura deve ser inicialmente hidratada com água morna a 35°C, na proporção de dez vezes o seu peso. A distribuição uniforme das células de levedura no mosto é feita pelo processo de remontagem.

A fermentação alcoólica é analisada pela determinação da densidade e do teor de açúcar do mosto, no mínimo, duas vezes ao dia, no laboratório da cantina. A temperatura da fermentação deve permanecer entre 25°GL a 30°GL, para favorecer a extração dos compostos fenólicos. Nas safras, quando necessário, é feita a correção do teor de açúcar do mosto com sacarose (chaptalização).

Para definir a intensidade de correção, ou seja, a quantidade de açúcar a ser adicionada no mosto, é necessário fazer análises de açúcar e álcool. Calcula-se que para cada °GL de álcool é necessário adicionar 1,8 kg de açúcar/hL no mosto. O açúcar refinado de boa qualidade, previamente diluído em pequena quantidade de mosto, é o mais recomendado. Para melhorar homogeneização, a chaptalização é efetuada entre o segundo e o terceiro dia após iniciada a fermentação, juntamente com a remontagem.

Recipientes de fermentação

A fermentação é feita em recipientes com as seguintes características:

  • porta de inspeção frontal retangular, no nível do piso, suficiente para retirar o bagaço, por ocasião da descuba, sem que seja necessário o operador entrar;
  • teto levemente cônico, com uma abertura circular de 30 cm de diâmetro na parte central, mais elevada, o que facilita as remontagens e os atestos;
  • equipados com dois registros de 5 cm de diâmetro, sendo um no nível do solo, para a retirada da amostra e o outro na altura de 30 cm, que funciona como um sistema de verificação de líquido do tanque.

Veja na Figura 1, exemplo de recipiente de fermentação.

Figura 1. Recipiente de aço inoxidável para fermentação de vinho tinto.
Fonte: Catálogo F.lli Marchisio & C.S.p.A

A refrigeração pode ser efetuada através de lâmina de água, proveniente de uma mangueira perfurada que circunda a abertura superior do tanque.

Considerando-se o volume anual de 50.400 kg de uva a ser vinificado e que cada recipiente de fermentação seja utilizado três vezes, são necessários quatro tanques de 5.000 L para atender ao processo de fermentação/maceração.

Para reduzir as perdas de álcool e outros compostos voláteis por evaporação, assim como os riscos de contaminação microbiana, o recipiente a ser adotado é o tanque fechado com chapéu flutuante. Esse sistema permite macerações mais longas; mas requer muita atenção no aumento de temperatura de fermentação.

Maceração

O período em que a parte sólida da uva - película e semente - permanece em contato com o mosto é chamado de maceração. Nesse período, ocorre a diluição seletiva e a difusão de compostos da película e semente para o mosto. Para produzir vinhos com boa intensidade de cor e com aromas frutados, o período de maceração deve ser curto, de no máximo 6 dias.

Remontagens

As remontagens - que dedem ser efetuadas, de forma suave, pelo menos duas vezes por dia - são realizadas para extrair os componentes da parte sólida da uva, homogeneizar a massa vínica em fermentação, controlar a temperatura de fermentação e evitar o desenvolvimento de microrganismos indesejáveis na parte superior da parte sólida da uva. Esse trabalho consiste em retirar o mosto da parte inferior do recipiente e colocá-lo novamente na parte superior, com o auxílio de uma bomba. É importante cuidar para que a parte sólida fique submersa por um período de 30 minutos para cada operação.

A definição para o período de maceração, bem como para o número e o tempo de remontagens, deve levar em consideração a qualidade da safra vitícola. Nas boas safras, geralmente, a maceração pode ser mais prolongada, para forçar a maior extração de determinados componentes da película.

Descuba

O processo de separação da parte sólida e líquida do mosto é conhecido como descuba. Esse processo é realizado quando o mosto atinge uma densidade de 20/20ºC de aproximadamente 1.010. Inicialmente, deve-se interromper as remontagens um dia antes da descuba, para favorecer a separação do mosto. Depois, utilizando-se uma mastela, retira-se o mosto pelo registro inferior e envia-se para outro recipiente, para completar a fermentação alcoólica. Depois de bem esgotado, a porta frontal do recipiente é aberta e com o auxílio de uma pá, com a qual retira-se a parte sólida, que é encaminhada através de uma bomba ou de um caracol, para a prensa (Figura 2).

Figura 2. Bomba para transportar o bagaço até a prensa.
Fonte: Catálogo Enobrasil

O mosto extraído sem auxílio da prensa dá origem ao vinho gota, enquanto o mosto obtido da prensagem origina o vinho-prensa, que representa, aproximadamente, 15% do volume total. Geralmente, são separados dois tipos de vinho-prensa. Na primeira prensa, com pressão suave, é extraído o vinho tinto de melhor qualidade e, na segunda prensa, com pressão mais intensa, é extraído o vinho de menor qualidade, caracterizado pelo gosto adstringente, amargo e herbáceo.

Prensagem

A prensa descontínua vertical (Figura 3), que utiliza a força hidráulica, com capacidade para 500 kg é o equipamento mais recomendado para a prensagem.

Calcula-se que, para cada recipiente com 3.500 kg de uva sem a ráquis, sejam extraídos entre 500 kg a 600 kg de parte sólida, ou seja, entre 15% a 18% do total da uva. Depois de prensada, a parte sólida - matéria-prima para elaboração da graspa - é colocada em silo apropriado, para completar a fermentação alcoólica.

O mosto obtido da descuba, mais o da primeira prensagem, deve ser colocado em recipiente de aço inoxidável de 5.000 L de capacidade, para completar a fermentação alcoólica. Nessa fase, o mosto apresenta ainda entre 15 e 25 g/L de açúcar residual, que deve ser transformado em álcool pelas leveduras. É importante que esse recipiente permaneça cheio, com uma válvula na parte superior para a saída do dióxido de carbono. O vinho obtido do mosto de segunda prensa deve ser colocado para fermentação em recipiente separado do destinado à destilação.

Figura 3. Prensa vertical descontínua, utilizada para prensagem do bagaço na descuba.
Fonte: Catálogo F.lli Marchisio & C.S.p.A.

Fermentação lenta

A complementação da fermentação alcoólica deve ser conduzida com o máximo de atenção. O enólogo deve acompanhar o desprendimento do dióxido de carbono, a temperatura de fermentação e efetuar as análises da densidade, dos teores de açúcar, álcool e acidez total, no laboratório da cantina.

A fermentação alcoólica é concluída quando cessa o desprendimento de dióxido de carbono e o teor de açúcar total for inferior a 3,0 g/L.

Fermentação Malolática

Uma vez concluída a fermentação alcoólica, a etapa seguinte é a fermentação malolática, ou seja, a transformação do ácido málico em lático e conseqüente redução da acidez total. Além disso, ocorrem também outras reações secundárias, tais como: desprendimento de dióxido de carbono, pequena elevação da acidez volátil e do pH do vinho. Os agentes microbiológicos, responsáveis por essas transformações são as bactérias láticas, microrganismos muito difundidos na natureza, com elevado grau de especificidade.

Além do ácido málico, as bactérias da fermentação malolática utilizam como substrato o açúcar residual da fermentação alcoólica e o ácido cítrico. Quando a quantidade de açúcar residual é elevada, a degradação pelas bactérias pode provocar a fermentação manítica e conseqüente formação de quantidades elevadas de manitol.

Os fatores que interferem no desenvolvimento da fermentação malolática, são os seguintes:

Temperatura - A maior atividade das bactérias ocorre entre 25°C e 30°C e isso provoca um aumento acentuado da acidez volátil. Portanto, a temperatura indicada para a realização da fermentação malolática é de 15°C a 18°C, o que evita a acidez volátil e a evaporação do vinho. Uma vez iniciada a fermentação malolática, ela continuará, mesmo se a temperatura for inferior a 15°C. Mas abaixo de 12°C, a fermentação torna-se demorada e até corre o risco de ser interrompida.

Acidez - A acidez do vinho define o gênero da bactéria responsável pela fermentação malolática. Assim, a acidez baixa favorece a fermentação malolática. Ao contrário, quando for elevada e o pH estiver abaixo de 3,10, o início da fermentação é inviabilizado.

Oxigênio - As bactérias láticas têm pouca necessidade de oxigênio para respirar. Ele é suprido pelo próprio oxigênio dissolvido no vinho. Em recipientes de madeira, ele é suprido pela passagem do oxigênio externo, pelos poros da madeira. Por isso, em recipientes de aço inoxidável de grande volume, a fermentação malolática pode permanecer inativa pela falta de oxigênio.

Antissépticos - Os antissépticos, de modo geral, são muito ativos, mesmo em doses baixas para a maior parte das bactérias. No caso específico do dióxido de enxofre, é suficiente pequena quantidade na forma livre, para impedir a atividade das bactérias láticas e conseqüentemente a realização da fermentação malolática. Assim, o momento de aplicação do dióxido de enxofre na vinificação, é fundamental para a realização da fermentação malolática do vinho.

Presença de borras - Nos vinhos novos, a presença de borras é considerada um aspecto favorável para o desenvolvimento da fermentação malolática. No caso do vinho tinto, o depósito, juntamente com um número elevado de células de leveduras mortas, fixa a cor e os taninos, reduzindo a estrutura do vinho. Em alguns casos, a presença de borras é responsável pelos gostos de ácido sulfídrico e mercaptano dos vinhos. Nesses casos e ainda quando o cheiro de enxofre é percebido, as borras devem ser separadas imediatamente, mesmo que a fermentação malolática esteja em curso.

O início da fermentação malolática é constatado quando há desprendimento de dióxido de carbono na parte superior do recipiente, ou quando ele é percebido na degustação e o vinho apresenta-se turvo. No laboratório, o desenrolar da fermentação malolática é acompanhado por meio da cromatografia de papel.

A conclusão da fermentação malolática determina o final do processo de vinificação. Neste momento, o vinho adquiriu estabilidade, maior complexidade aromática, suavidade e maciez gustativa.

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