Embrapa

Embrapa Uva e Vinho
Sistema de Produção, 3
ISSN 1678-8761 Versão Eletrônica
Jan/2003

Sistema de Produção de Pêssego de Mesa na Região da Serra Gaúcha

Thor Vinícius Martins Fajardo
Scheila da Conceição Maciel
Júlio Daniels

Início

Clima

Cultivares
Obtenção e plantio da muda
Preparo do solo, calagem e adubação
Condução,poda e raleio
Principais Pragas
Doenças fúngicas e bacterianas do pessegueiro
Doenças virais do pessegueiro
Doenças causadas por nematóides na cultura do pessegueiro
Cuidados na aplicação de agrotóxicos
Tecnologia de aplicação de agrotóxicos
Manejo e pós-colheita de pêssegos

Custos e rentabilidade

Referências
Glossário


Expediente
Autores
Doenças virais do pessegueiro

    A cultura do pessegueiro convive com consideráveis riscos, entre os quais se incluem a baixa tecnologia de produção e a baixa qualidade fitossanitária do material propagativo de porta-enxertos e copas, especialmente no que concerne à infecção com vírus e patógenos assemelhados.
    A produção comercial de mudas de fruteiras de caroço é, geralmente, baseada na propagação vegetativa (enxertia) de copas e na utilização de sementes para obtenção de porta-enxertos. Por estes procedimentos, vírus transmissíveis pela enxertia e pelas sementes se perpetuam no material propagativo, quando não são adotadas medidas para o seu diagnóstico e remoção. Resulta disso a presença disseminada de vírus em praticamente todo o material propagativo usado no Rio Grande do Sul, reduzindo a produção, comprometendo a qualidade dos frutos ou dos produtos finais e a rentabilidade dos altos investimentos de implantação e manutenção de pomares. Portanto, a sustentabilidade desta cadeia produtiva necessita de ações de planejamento e de estruturação do setor, com a adoção de programas para produzir mudas de qualidade.
    Dentre as viroses reportadas para o gênero Prunus (pessegueiro, ameixeira), as duas mais comuns, causadas pelo vírus da mancha anelar necrótica de Prunus (Prunus necrotic ringspot virus, PNRSV) e pelo vírus do nanismo da ameixeira (Prune dwarf virus, PDV) já foram detectadas nos pomares do Rio Grande do Sul (Daniels et al., 1994; Daniels & Carvalho, 1995). Estes dois vírus pertencem ao gênero Ilarvirus, família Bromoviridae, e apresentam genoma de RNA de fita simples, positivo e tripartido, com partículas virais quase isométricas de cerca de 30 nm de diâmetro e muito instáveis, recobertas por uma proteína capsidial de 24 a 29 kDa.
    Ambos os vírus, sorologicamente não relacionados, infectam fruteiras de caroço (Prunus), como pessegueiro, ameixeira, nectarineira, cerejeira, amendoeira e damasqueiro, além de macieira, roseira e lúpulo. São transmitidos via enxertia, bem como na floração através da polinização, com pólen infectado sendo transportado pelo vento, e também por meio de sementes (Uyemoto & Scott, 1992). Na disseminação da doença estaria também envolvida a participação de insetos. Abelhas transportariam pólen da flor infectada à sadia e os tripes (Frankliniella occidentalis) promoveriam a inoculação viral ao se alimentarem do pólen, extravasando seu conteúdo, que penetraria em ferimentos presentes na flor, também causados por eles (Uyemoto et al., 2003). Após quatro anos, a incidência de pessegueiros infectados por PDV e PNRSV, em dois pomares novos, progrediu de 27 para 94% e de 0 para 72%, em duas parcelas distintas (Uyemoto et al, 1992).
    Em relação à transmissão destas viroses por sementes, Mink & Aychele (1984) e Digiaro & Savino (1992) mencionam que as sementes que foram identificadas como PDV positivas não produziram plântulas com qualidade comercial, enquanto que para aquelas PNRSV positivas não houve qualquer alteração na qualidade da muda. Tal fato pode ser decorrente da perda do poder germinativo de sementes infectadas com PDV ou da incapacidade de emergência da plântula induzida pelo vírus.
    Assim como mencionado por Scott et al. (1989), os pessegueiros infectados com PNRSV e/ou PDV na Serra Gaúcha (RS) aparentemente não exibem sintomas, pois esses podem ser estirpe-específicos, ou seja, a expressão ou ausência de sintomas é função das características da estirpe ou isolado viral presente na planta. Adicionalmente, o PNRSV pode causar sintomas visíveis em pessegueiros durante um curto estádio inicial de infecção mas, na seqüência, a infecção pode tornar-se latente.
    Essas duas viroses são encontradas em todas as regiões produtoras de Prunus do mundo, isoladamente ou em combinação (PDV + PNRSV); neste último caso, a doença é conhecida por "Nanismo do pessegueiro" ("Peach stunt disease", PSD) e pode causar maiores perdas econômicas. Não se sabe dos prejuízos que estes vírus estariam causando em pomares de pessegueiros no Brasil, mas estudos realizados na Califórnia (EUA) por Uyemoto et al. (1992) mostraram que a presença do complexo de PDV e PNRSV pode resultar em redução da produção de pessegueiros da ordem de 30%.
    De acordo com Cornuet (1992), os prejuízos econômicos causados pelas viroses em fruteiras são de três tipos: primeiramente ocorre uma redução no volume da produção, que corresponde a uma diminuição no vigor da árvore, e pode ser medida também pelo diâmetro do tronco; o segundo, é sobre a qualidade dos frutos, que apresentam deformações e reduções no tamanho; e por fim, alguns vírus, entre os quais os Ilarvirus e o vírus da mancha clorótica da folha da macieira (Apple chlorotic leafspot virus, ACLSV) do gênero Trichovirus, aumentam a incompatibilidade entre o enxerto e o porta-enxerto, reduzindo o rendimento da planta. Uyemoto et al. (1992) verificaram, após três anos, diminuições de 23% no diâmetro dos troncos e de 12% na altura de pessegueiros infectados conjuntamente por PDV e PNRSV.
    Entre os métodos de controle de viroses em fruteiras, destaca-se a produção de mudas livres de vírus, através de programas de certificação de mudas, que envolvam o fornecimento aos viveiristas de matrizes de cultivares testadas (Cornuet, 1992; Fachinello, 2000).
    Devido às características de transmissão e aos danos causados pelos vírus, devem ser adotadas medidas profiláticas, destacando-se a sanidade das mudas. Para a seleção de mudas sadias tem sido utilizado, em muitos casos, o procedimento sorológico (testes ELISA), devido à sua praticidade. Todavia, os mesmos não possuem a sensibilidade necessária para emitir resultados plenamente confiáveis quando o material vegetal utilizado é coletado em determinadas épocas do ano (outono ou inverno). Logo, o uso de outras técnicas, mas sensíveis e específicas, em alguns casos se faz necessário. A técnica de RT-PCR (transcrição reversa seguida da reação em cadeia da polimerase) possibilita alta sensibilidade na detecção viral, pois, mesmo baixíssimas concentrações do ácido nucléico viral podem ser detectadas dentro de uma amostra do tecido vegetal (Parakh et al., 1995; Spiegel et al., 1996). Entretanto, esta técnica de detecção molecular tem suas limitações quando usada na diagnose de rotina, as principais seriam em relação aos custos e à praticidade.

Viroses em pomares de pessegueiro no Rio Grande do Sul

    Entre os problemas do cultivo de pessegueiros no Rio Grande do Sul, inclui-se a baixa qualidade fitossanitária do material propagativo, especialmente em relação a infecção por vírus. Já foi constatada a ocorrência do vírus da mancha anelar necrótica de Prunus (PNRSV) e do vírus do nanismo da ameixeira (PDV) em alguns pomares gaúchos, mas desconhecia-se, até então, a incidência destes dois vírus nas principais cultivares e regiões produtoras do Rio Grande do Sul, bem como faltava avaliar, localmente, a eficiência das técnicas sorológicas de detecção viral, quando empregadas na detecção destes Ilarvirus.     Maciel et al. (2002a) realizaram levantamentos para determinar a incidência de Ilarvirus em pomares das principais cultivares de pessegueiro, em três regiões produtoras do Rio Grande do Sul (Pelotas, Grande Porto Alegre e Serra Gaúcha). Para a determinação da incidência de PNRSV e PDV em pomares comerciais de pessegueiros em Farroupilha e Pinto Bandeira (Serra Gaúcha), foram amostrados 10 pomares de cada cultivar avaliada (Chimarrita, Chiripá, Marli e Premier), coletando-se 10 amostras por pomar. As amostras consistiram de ramos (com 20 cm), com flores e folhas novas, coletados nos quatro quadrantes da planta. Foi realizado o teste sorológico ELISA empregando-se antissoros comerciais. Os dois vírus foram detectados em todas as cultivares analisadas. Os resultados mostraram que 147 das 400 plantas (36,7%) estavam infectadas (Tabela 1). A cv. Marli apresentou a maior taxa de infecção viral (80%), seguida das cvs. Premier, Chiripá e Chimarrita (35, 28 e 4%, respectivamente) (Tabela 1). As plantas da cv. Marli eram mais velhas (cerca de 14 anos) do que as demais, o que pode aumentar as chances de infecção viral pela polinização. A maior incidência foi do PDV (19,7%), seguida pela infecção dupla com 11,3% e pelo PNRSV com 5,7% (Tabela 1).

Tabela 1. Incidência dos Ilarvirus PDV e PNRSV em pessegueiros de pomares comerciais da Serra Gaúcha (municípios de Pinto Bandeira e Farroupilha, RS) na safra de 2001.

Cultivares Nº de plantas amostradas Infecções simples Infecções duplas Infecção total
PDV PNRSV PDV + PNRSV
Chiripá 100 16 4 8 28
Chimarrita 100 1 3 0 4
Marli 100 37 12 31 80
Premier 100 25 4 6 35
Total 400 79 (19,7%) 23 (5,7%) 45 (11,3%) 147 (36,7%)

    Maciel et al. (2002a) também avaliaram a incidência de PDV e de PNRSV em pomares de pessegueiros das cultivares Marli, Premier, Chimarrita, Chiripá, Jade, Granada e Precocinho, nas regiões produtoras de Pelotas e da Grande Porto Alegre. Também, neste levantamento, em cada região, foram amostrados 10 pomares por cultivar e coletadas 10 amostras em cada um e a análise foi realizada pelo teste ELISA, em folhas novas e flores. Na região da Grande Porto Alegre, a incidência de infecções por PDV, PNRSV, dupla e geral foi de 18,5%, 13,3%, 5,5% e 37,4% e na região de Pelotas foi de 0%, 0,33%, 0% e 0,33%, respectivamente. A cultivar que apresentou maior incidência de vírus na Grande Porto Alegre foi a Premier com 54%. A taxa média de infecção por PDV e PNRSV em pomares de pessegueiro no Estado do Rio Grande do Sul foi de 23%, considerando-se as três principais regiões produtoras. A baixa incidência de vírus na região de Pelotas pode ser, possivelmente, explicada pelo emprego de novas cultivares de pêssego para indústria.
    Uyemoto et al. (1992) observaram, na Califórnia (EUA), aumento no número de plantas de pessegueiro infectadas, após cada estação de florescimento. Outro fator determinante para o alto índice de infecção viral em pessegueiros no RS, conforme verificado por Maciel et al. (2002a), pode ser decorrente do mau estado sanitário do material propagativo utilizado na implantação dos pomares gaúchos, uma vez que foi detectada infecção por PDV em níveis de até 100% em viveiros de pessegueiros (Maciel et al., 2002c).
    A alta incidência de PDV, verificada por Maciel et al. (2002a) em pomares de pessegueiros do RS, diverge dos estudos realizados por Daniels (1999), que relatou maior incidência de PNRSV (42%) contra 15% de PDV, na coleção de prunóideas da Embrapa Clima Temperado em Pelotas, RS. Todavia, concorda com os resultados obtidos por Amenduni et al. (2001), em pomares comerciais da Região de Puglia, Itália, onde detectaram 42,5% de infecção com PDV, 2,9% com PNRSV e 3,6% com infecção dupla.
    A eficiente detecção sorológica dos vírus PDV e PNRSV é função direta da concentração que estes dois Ilarvirus atinge dentro dos tecidos da hospedeira. Maciel et al. (2002b) determinaram, através do teste sorológico ELISA, os valores representativos da concentração destes dois vírus em diferentes tecidos infectados de pessegueiro (folhas novas e maduras, entrenós de ramo do ano, sementes e epiderme de fruto) das cultivares Marli e Chiripá. Estes autores constataram que todos os tecidos analisados, excetuando folhas maduras (velhas), em particular da cv. Marli, possibilitaram a detecção de PDV e PNRSV. A maior concentração de PNRSV, em ambas cultivares, foi encontrada na epiderme dos frutos. Entretanto, para o PDV, os valores foram maiores para entrenós de ramo do ano, na cv. Marli, e para sementes, na cv. Chiripá. Dal Zotto et al. (1999) recomendam que a detecção do PNRSV seja realizada no florescimento e em brotações novas e, excepcionalmente, em gemas dormentes de pessegueiros.
    Verificam-se, portanto, variações na concentração viral conforme a espécie de vírus, o tipo de tecido, a época de avaliação e a cultivar de pessegueiro analisados. Na amostragem de pessegueiros para o diagnóstico sorológico, devem ser observadas as concentrações desses dois Ilarvirus no tecido vegetal, caso contrário podem ser obtidos resultados falso-negativos, com implicações indesejáveis se tal fato for verificado no âmbito de um programa de produção de material propagativo de pessegueiro livre de vírus ou em quarentena de germoplasma.
    Devido à alta incidência de Ilarvirus, em pomares de pessegueiros gaúchos (Maciel et al., 2002a), torna-se plausível concluir que é grande a necessidade de implantação de um programa de produção de mudas de pessegueiros, fundamentado na seleção e indexagem de materiais propagativos. As principais regiões produtoras de frutas no mundo adotaram como estratégia principal o uso de programas de certificação de mudas, associados a medidas regulatórias que impedem a entrada, trânsito e comercialização de material infectado. A moderna fruticultura está baseada em pomares produtivos e o sucesso do empreendimento depende da utilização de mudas com garantias genéticas e sanitárias. Isto só é possível com o uso de material propagativo livre de pragas e doenças importantes que podem limitar o crescimento, desenvolvimento e a qualidade das frutas (Fachinello, 2000).

seta

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