Sistema de Produção de Vinagre

Luiz Antenor Rizzon
Julio Meneguzzo

Vinho para acetificação

Para que a fermentação acética ocorra normalmente e o vinagre obtido seja de boa qualidade e sem nenhum tipo de alteração, o vinho utilizado na acetificação deve apresentar algumas características particulares. Devem ser sãos, potáveis e isentos de cheiros e gostos estranhos. Caso o vinho estiver atacado de doenças como a volta ou o agridoce, é aconselhável efetuar uma prévia pasteurização. Quando a doença estiver adiantada, é mais indicado destilá-lo.

O vinho não deve ter produtos antifermentativos, como é o caso do dióxido de enxofre, o que impediria o desenvolvimento das bactérias acéticas.

O vinho deve estar límpido ou pouco turvo. As substâncias em suspensão podem retardar o processo de reprodução das bactérias acéticas. Quando o vinho estiver muito turvo, convém filtrá-lo.

É recomendável acetificar vinhos secos, pois os açúcares residuais podem favorecer contaminações posteriores especialmente por leveduras.

O vinho base para vinagre não deve conter metais além do limite estabelecido pela legislação, nem conter teor muito elevado de tanino e de matéria corante.

Quanto ao teor alcoólico, é interessante que o vinho apresente entre 8% v/v e 10% v/v, embora as técnicas atuais de fermentação acética permitam utilizar vinhos com 10% v/v a 12% v/v de álcool. A acetificação de vinhos com graduação alcoólica muito elevada torna o processo lento e difícil. Em alguns casos, pode causar problemas de parada do processo de acetificação devido à ação inibidora do álcool ou do próprio ácido acético presente.

A utilização de vinhos pouco alcoólicos origina vinagres de baixa acidez e pouca qualidade sensorial, além de apresentar custo elevado de produção. Vinhos com grau alcoólico inferior a 4% v/v favorecem a contaminação, originando vinagres fracos, com concentração de ácido acético inferior a 4%.

Quanto à acidez volátil inicial do vinho, concentração acética inferior a 2% para os processos lentos e 1%, para os processos submersos, resultam em fermentações com tempo de indução muito longo, causando maiores perdas de álcool por evaporação além de favorecer contaminações. Concentração acética superior a 3% é tóxica para as bactérias na fase inicial de acetificação.

Muitos produtores de vinagre caseiro elaboram-no a partir de mosto de uva, que é colocado num recipiente com ou sem bagaço, sofrendo ao mesmo tempo as fermentações alcoólica (transformação do açúcar em álcool) e acética (transformação do álcool em ácido acético). Todavia tal processo não é recomendado, pois, além de apresentar baixo rendimento, resulta num vinagre muito susceptível a alterações e nem sempre de boa qualidade.

Processos de acetificação

Processo lento

Antigamente, o vinagre era produzido lentamente através do contato de um substrato alcoólico com o ar, como por exemplo o vinho, a cerveja, o hidromel, o álcool de batata e o álcool de cana-de-açúcar. Havia intervenção humana apenas para acrescentar um pouco de vinagre não pasteurizado ou uma porção de uma massa gelatinosa (mãe do vinagre) onde estavam presentes as bactérias acéticas. Renovando o substrato e extraindo o vinagre, conseguia-se continuar a acetificação, obtendo-se vinagres com 4% a 5% de ácido acético e uma certa quantidade de álcool sem acetificar. O processo lento de acetificação e a presença de álcool residual favorecem a formação de ésteres e outros compostos voláteis que conferem aroma e sabor peculiar aos vinagres assim elaborados.

Em Orléans, na França, o método de acetificação foi aperfeiçoado e designado com o nome da cidade. O processo Orléans é o mais antigo e tradicional método de elaboração do vinagre. Ele consiste em favorecer o contato do ar com uma fina camada gelatinosa, que se mantém na superfície do vinho (mãe do vinagre). O vinho é colocado para acetificar em barris de madeira adaptados e designados de acetificadores (Fig.1).

Para iniciar o processo de elaboração do vinagre, recomenda-se adicionar cerca de 10% do volume útil do acetificador de um vinagre não pasteurizado, isto é, com as bactérias ativas, que funcionam como pé-de-cuba. Não é necessário adicionar substâncias nutritivas para o desenvolvimento das bactérias acéticas, visto que elas estão presentes naturalmente no vinho.

Depois de 15 dias, pode-se retirar, aproximadamente, 10% do volume do vinagre que deve ser substituído pelo mesmo volume de vinho para acetificar. A seguir, a operação de retirada de vinagre e colocação de vinho pode ser realizada semanalmente, tornando-se o processo contínuo. Sempre que se retirar o vinagre, é importante efetuar uma análise, para verificar a sua qualidade.

A retirada do vinagre e a adição do vinho no acetificador deve ser feita com cuidado para evitar o rompimento do véu e a conseqüente precipitação das bactérias no fundo do recipiente.

Figura 1. Recipiente utilizado para elaboração de vinagre pelo processo Orleans.
Fonte: Aquarone et al. (1983)

As dimensões dos barris são estabelecidas em função da quantidade de vinagre a elaborar. As aberturas para passagem do ar deverão ser protegidas por uma tela fina para evitar a entrada da mosquinha-do-vinagre.

Os barris são colocados em locais onde a temperatura permanece elevada no inverno, para que a acetificação ocorra de forma mais rápida. Os rendimentos da transformação do álcool em ácido acético são baixos. Entre os principais aspectos negativos do processo, destaca-se a possibilidade de proliferação de bactérias produtoras de celulose e consumidoras de ácido acético além do aparecimento de anguilulas.

Deve-se sempre evitar o contato do vinho e do vinagre com materiais ou equipamentos que contenham ferro, cobre, alumínio ou outros metais que causam problemas de turvação e de toxicidade.

Processo rápido

Os processos rápidos de elaboração de vinagre foram desenvolvidos a partir do início do século XVII, com a utilização de diferentes materiais porosos como sabugo de milho, engaço da uva e, especialmente, maravalha de madeira, para aumentar a superfície de contato das bactérias acéticas com o vinho. Inicialmente, utiliza-se maravalha de madeira para enchimento de um recipiente tronco-cônico, provido de orifícios para ventilação nas paredes laterais (Fig. 2).


Figura 2. Corte transversal de um acetificador com suporte poroso; A) grade; B) maravalha de madeira; C) bomba para movimentação do vinho em processo de acetificação; D)dispersor do vinho; E) refrigerante de água; F) dispositivo de condensação de vapores.
Fonte: Aquarone et al. (1983)

Um falso fundo permite recolher o vinho em processo de acetificação, que passa pela camada porosa formada pela maravalha e é recolocado na parte superior tantas vezes quantas necessárias, para alcançar o grau acético desejado. Como no caso anterior, o início do processo é feito a partir de um vinho adicionado de aproximadamente 10% de vinagre não pasteurizado como pé-de-cuba. A mistura de vinho e vinagre, na passagem através da maravalha, recebe o ar que se movimentava de baixo para cima devido ao aquecimento provocado pelo calor liberado no processo de acetificação. Esse processo é mais rápido que o método Orleans. Quando a concentração de álcool do vinho utilizado para acetificação alcançar próximo a 0,3% v/v, retira-se aproximadamente 4/5 do volume de vinagre, que é substituído por um mesmo volume de vinho reiniciando-se o processo. A retirada de vinagre é feita, em média, a cada 10 dias.

Esse sistema de acetificação representa o primeiro passo para a industrialização do processo de elaboração do vinagre. No entanto, mesmo tendo representado um notável avanço tecnológico, o processo apresenta alguns problemas, tais como:

  • a perda de substâncias voláteis por evaporação é de aproximadamente 10%, é portanto, muito elevada;
  • o material utilizado como suporte, geralmente maravalha de madeira, se contamina facilmente, exigindo uma limpeza periódica, o que ocasiona sua substituição praticamente todos os anos;
  • o novo material necessita de um minucioso acondicionamento até a sua impregnação de vinagre.

Processo submerso

Atualmente, a rapidez na produção industrial do vinagre determina a preferência pelo sistema que utiliza a fermentação acética submersa.

Nesse caso, também o processo inicia com um vinho previamente acetificado com, aproximadamente, 10% de vinagre não pasteurizado que funciona como pé-de-cuba.

O método baseia-se na presença da bactéria acética submersa no vinho para acetificar, saturado constantemente por finas partículas de ar. Diferentemente dos processos anteriores, as bactérias acéticas se encontram imersas no vinho, sem nenhum suporte de material poroso, mas em íntimo contato com o oxigênio do ar proveniente de intenso arejamento. O equipamento utilizado é formado por um recipiente de grande capacidade, geralmente feito de aço inoxidável, com uma turbina de ar no fundo e tubos por onde circula a água para refrigeração que funciona automaticamente (Fig. 3 e 4). Ao entrar no fermentador acético, o ar é dispersado de forma homogênea em todo o vinho e na forma de borbulhas de tamanho menor possível. Quando o vinho do fermentador alcançar aproximadamente 0,2% v/v de álcool, o que acontece em intervalos de 30 a 40 horas, retiram-se aproximadamente de 40% a 45% do volume de vinagre que é substituído pelo mesmo volume de vinho a acetificar. O controle da temperatura nesse processo é feito mediante um sistema interno de refrigeração, que funciona automaticamente.


Figura 3. Vista geral de um acetificador em aço inoxidável.
Fonte: Mecca et al. (1979)



Figura 4. Corte transversal de um acetificador para elaboração de vinagre pelo método com fermentação acética submersa; a- turbina de ar; b- compensador de ar; c- dispositivo para coletar líquido de condensação; d-e- dispositivo para controlar a formação de espuma; f- dispositivo para medir o álcool; g- serpentina para refrigeração; h- dispositivo para refrigeração; i- termômetro; j- bomba para entrada do vinho; k- bomba para retirada do vinagre.
Fonte: Mecca et al. (1979).

Através desse processo de acetificação, é possível reduzir as perdas por evaporação para 3% a 5%, não havendo necessidade de material de suporte e, conseqüentemente, os problemas advindos da sua manutenção. É possível incorporar sistemas automáticos para carga e descarga do fermentador e controle de temperatura.

O vinagre produzido por esse processo apresenta-se turvo, com qualidade inferior àquele obtido pelo método lento, devido ao revolvimento acentuado e persistente provocado pela quantidade de ar introduzido sob pressão na acetificação.

Topo
Todos os direitos reservados, conforme Lei nº 9.610