Waldir A. Maurouelli
Henoque R. da Silva
Devido à cultura da mandioquinha-salsa ser relativamente tolerante à seca, comparativamente a outras hortaliças, muitos produtores não utilizam a prática da irrigação. Contudo, em casos de adversidades climáticas, a produtividade é comprometida e o risco de insucesso, elevado. Apesar da tolerância moderada, a cultura responde favoravelmente a condições de boa disponibilidade de água no solo, o que torna a irrigação uma prática fundamental para produtores que têm como objetivo a obtenção de altos níveis de produtividade. Em geral, as produtividades em áreas irrigadas chegam a ser de duas a três vezes maiores àquelas observadas em áreas não irrigadas.
A produtividade pode ser severamente afetada pelo excesso de água, que reduz a aeração do solo e favorece maior incidência de doenças e lixiviação de nutrientes. Irrigações em excesso, notadamente em solos com problemas de drenagem, ocasionam maior incidência de doenças de solo, como podridão-de-esclerotínia e podridão-de-esclerócium e, principalmente, podridão-mole, causada por bactérias do gênero Erwinia.
Por ser uma cultura de recente exploração comercial, são poucas as informações técnicas disponíveis sobre a irrigação. Mesmo na literatura internacional, são praticamente inexistentes pesquisas sobre este tópico.
Sistemas de irrigação
A cultura pode ser irrigada por diferentes sistemas de irrigação, sendo a aspersão o mais empregado. Dentre os sistemas por aspersão, o convencional é o predominante, em função do baixo custo e de poder ser utilizado em áreas com diferentes topografias, tipos de solo, tamanhos e geometrias.
A aspersão apresenta a vantagem de diminuir a população de ácaros e pulgões, importantes pragas da cultura. Por outro lado, irrigações freqüentes por aspersão favorecem maior incidência de septoriose e crestamento-bacteriano, causados por Septoria sp. e Xanthomonas campestris pv. Arracaciace, respectivamente, que são as principais doenças que afetam a parte aérea das plantas.
Embora viáveis, os sistemas por sulco e gotejamento praticamente não têm sido utilizados. Enquanto o sistema por sulco requer maior uso de mão-de-obra, solos sistematizados e é inadequado para solos arenosos, o gotejamento apresenta alto custo. Ademais, por não “lavar” a parte aérea das plantas, favorece a maior incidência de ácaros e pulgões. O sistema por gotejamento e, principalmente por sulco, podem ainda favorecer maior incidência de podridão-das-raízes, especialmente em solos mal drenados.
Necessidade de água da cultura
A necessidade de água das plantas depende das condições climáticas e da duração do ciclo de desenvolvimento, variando entre 600 e 1.000 mm. Para fins de irrigação, o ciclo pode ser dividido em quatro estádios: inicial (30-40 dias de duração), vegetativo (100-130 dias), crescimento das raízes de reserva (80-100 dias) e maturação (35-60 dias). A exigência de água aumenta com o crescimento das plantas, sendo máximo durante o estágio de crescimento das raízes de reserva e diminuindo durante a maturação. As plantas são particularmente sensíveis à falta de água durante o estabelecimento inicial e o estádio de crescimento das raízes de reserva.
A evapotranspiração da cultura (soma da água transpirada pelas plantas e da água evaporada do solo) é determinada por meio de métodos baseados em informações climáticas e coeficientes de cultura (Kc). A título de sugestão, podem-se adotar os seguintes valores de Kcmédio: 0,50 para o estádio inicial; 0,75 para o vegetativo; 1,00 para o de crescimento das raízes de reserva; e 0,80 para o de maturação.
Manejo de irrigação
Via de regra, as mudas devem ser transplantadas em solo úmido, mas não encharcado, e receber uma irrigação leve imediatamente após, a fim de promover um melhor contato muda-solo. Durante o período de pegamento de mudas (1-2 semanas), as irrigações devem ser leves e freqüentes a fim de manter a umidade do solo próxima à capacidade de campo. A partir daí, devem ser mais espaçadas e em maior quantidade. Embora o murchamento das folhas seja um indicativo da necessidade de irrigação utilizado por alguns produtores, existem critérios mais precisos disponíveis. Sensores de umidade, como tensiômetro e Irrigas®, podem ser utilizados para indicar quando irrigar. Níveis ótimos de produtividade podem ser obtidos irrigando-se quando o tensiômetro indicar leitura entre 25 e 50 kPa, sendo que os menores valores devem ser adotados durante os estádios mais críticos de exigência hídrica, em solos arenosos e/ou condições de alta demanda de evaporação. Os sensores devem ser instalados entre duas plantas ao longo da fileira de plantio, a 50% da profundidade efetiva do sistema radicular.A profundidade efetiva radicular é aquela que contem cerca de 80% das raízes. Por ser afetada pelas condições de solo, deve ser avaliada no local de cultivo para cada estádio da cultura. A partir do estádio de crescimento das raízes de reserva, a maior parte das raízes de absorção de água e nutrientes encontra-se nos primeiros 40 cm de profundidade. A quantidade de água por rega depende das características do solo e da profundidade de raízes, podendo ser determinada a partir do déficit de água no solo ou da evapotranspiração da cultura desde a última rega. Os métodos para estimar quando e quanto irrigar que possibilitam um melhor controle são aqueles realizados em tempo real, utilizando sensores para a medição da água no solo e/ou estimativa da evapotranspiração. Todavia, são métodos que requerem o uso de equipamentos e de mão-de-obra treinada. Maiores informações sobre estes procedimentos podem ser obtidas no livro “Manejo da irrigação em hortaliças”, publicado pela Embrapa Hortaliças.A seguir é apresentado um procedimento simples para o manejo de irrigação baseado no uso de tabelas. A evapotranspiração e o turno de rega são determinados a partir de uma série histórica de dados climáticos médios diários de temperatura e umidade relativa do ar da região, que podem ser obtidos junto ao serviço de assistência técnica local, da textura de solo e do estádio de desenvolvimento da cultura.
Passo 1: Determinar, na Tabela 1, a evapotranspiração da cultura (ETc, mm dia-¹) durante o estádio de desenvolvimento de interesse.
Tabela 1. Evapotranspiração da cultura da mandioquinha-salsa (mm dia-¹), conforme a umidade relativa média (URm), temperatura média do ar e estádio de desenvolvimento.
URm (%)
|
Temperatura (oC)
|
10
|
12
|
14
|
16
|
18
|
20
|
22
|
24
|
26
|
28
|
30
|
Estádio inicial
|
40
|
2,2
|
2,5
|
2,7
|
3,0
|
3,3
|
3,6
|
4,0
|
4,3
|
4,7
|
5,1
|
5,4
|
50
|
1,8
|
2,1
|
2,3
|
2,5
|
2,8
|
3,0
|
3,3
|
3,6
|
3,9
|
4,2
|
4,5
|
60
|
1,5
|
1,6
|
1,8
|
2,0
|
2,2
|
2,4
|
2,7
|
2,9
|
3,1
|
3,4
|
3,6
|
70
|
1,1
|
1,2
|
1,4
|
1,5
|
1,7
|
1,8
|
2,0
|
2,2
|
2,3
|
2,5
|
2,7
|
80
|
0,7
|
0,8
|
0,9
|
1,0
|
1,1
|
1,2
|
1,3
|
1,4
|
1,6
|
1,7
|
1,8
|
90
|
0,4
|
0,4
|
0,5
|
0,5
|
0,6
|
0,6
|
0,7
|
0,7
|
0,8
|
0,8
|
0,9
|
Estádio vegetativo
|
40
|
3,3
|
3,7
|
4,1
|
4,5
|
5,0
|
5,5
|
6,0
|
6,5
|
7,0
|
7,6
|
8,2
|
50
|
2,8
|
3,1
|
3,4
|
3,8
|
4,2
|
4,6
|
5,0
|
5,4
|
5,9
|
6,3
|
6,8
|
60
|
2,2
|
2,5
|
2,7
|
3,0
|
3,3
|
3,6
|
4,0
|
4,3
|
4,7
|
5,1
|
5,4
|
70
|
1,7
|
1,8
|
2,1
|
2,3
|
2,5
|
2,7
|
3,0
|
3,2
|
3,5
|
3,8
|
4,1
|
80
|
1,1
|
1,2
|
1,4
|
1,5
|
1,7
|
1,8
|
2,0
|
2,2
|
2,3
|
2,5
|
2,7
|
90
|
0,6
|
0,6
|
0,7
|
0,8
|
0,8
|
0,9
|
1,0
|
1,1
|
1,2
|
1,3
|
1,4
|
Estádio de crescimento das raízes de reserva
|
40
|
4,4
|
4,9
|
5,5
|
6,1
|
6,7
|
7,3
|
8,0
|
8,6
|
9,4
|
10,1
|
10,9
|
50
|
3,7
|
4,1
|
4,6
|
5,0
|
5,5
|
6,1
|
6,6
|
7,2
|
7,8
|
8,4
|
9,1
|
60
|
2,9
|
3,3
|
3,7
|
4,0
|
4,4
|
4,9
|
5,3
|
5,8
|
6,2
|
6,7
|
7,3
|
70
|
2,2
|
2,5
|
2,7
|
3,0
|
3,3
|
3,6
|
4,0
|
4,3
|
4,7
|
5,1
|
5,4
|
80
|
1,5
|
1,6
|
1,8
|
2,0
|
2,2
|
2,4
|
2,7
|
2,9
|
3,1
|
3,4
|
3,6
|
90
|
0,7
|
0,8
|
0,9
|
1,0
|
1,1
|
1,2
|
1,3
|
1,4
|
1,6
|
1,7
|
1,8
|
Estádio de maturação
|
40
|
3,5
|
3,9
|
4,4
|
4,8
|
5,3
|
5,8
|
6,4
|
6,9
|
7,5
|
8,1
|
8,7
|
50
|
2,9
|
3,3
|
3,7
|
4,0
|
4,4
|
4,9
|
5,3
|
5,8
|
6,2
|
6,7
|
7,3
|
60
|
2,4
|
2,6
|
2,9
|
3,2
|
3,6
|
3,9
|
4,2
|
4,6
|
5,0
|
5,4
|
5,8
|
70
|
1,8
|
2,0
|
2,2
|
2,4
|
2,7
|
2,9
|
3,2
|
3,5
|
3,7
|
4,0
|
4,4
|
80
|
1,2
|
1,3
|
1,5
|
1,6
|
1,8
|
1,9
|
2,1
|
2,3
|
2,5
|
2,7
|
2,9
|
90
|
0,6
|
0,7
|
0,7
|
0,8
|
0,9
|
1,0
|
1,1
|
1,2
|
1,2
|
1,3
|
1,5
|
Fonte: Marouelli et al. (2001).
Passo 2: Determinar a profundidade efetiva de raízes para o estádio de interesse. A abertura de uma trincheira perpendicular à fileira de plantas possibilita uma avaliação visual e local da profundidade a ser considerada.
Passo 3: Determinar, na Tabela 2, o turno de rega (TR, dias) conforme a ETc, textura do solo e profundidade efetiva de raízes.
Tabela 2. Turno de rega (dias) para a cultura da mandioquinha-salsa, conforme a evapotranspiração da cultura (ETc), profundidade de raízes e textura do solo.
ETc
(mm dia-1)
|
Profundidade efetiva de raízes (cm)
|
10
|
30
|
50
|
Textura
|
Textura
|
Textura
|
Grossa
|
Média*
|
Fina
|
Grossa
|
Média*
|
Fina
|
Grossa
|
Média*
|
Fina
|
1
|
4
|
7
|
10
|
--
|
--
|
--
|
--
|
--
|
--
|
2
|
2
|
4
|
5
|
5
|
11
|
15
|
--
|
--
|
--
|
3
|
1
|
2
|
3
|
4
|
7
|
10
|
6
|
12
|
17
|
4
|
1
|
2
|
3
|
3
|
5
|
8
|
4
|
9
|
13
|
5
|
1
|
1
|
2
|
2
|
4
|
6
|
4
|
7
|
10
|
6
|
1
|
1
|
2
|
2
|
4
|
5
|
3
|
6
|
8
|
7
|
1
|
1
|
1
|
2
|
3
|
4
|
3
|
5
|
7
|
8
|
--
|
--
|
--
|
1
|
3
|
4
|
2
|
5
|
6
|
9
|
--
|
--
|
--
|
1
|
2
|
3
|
2
|
4
|
6
|
10
|
--
|
--
|
--
|
1
|
2
|
3
|
2
|
4
|
5
|
Textura grossa: 0 - 15%; textura média: 15 - 35%; textura fina: >35%.
Fonte: Marouelli et al. (2001).
Passo 4: Determinar a lâmina real de água necessária (LRN, mm) por irrigação, pela expressão LRN = TR x ETc.
Passo 5: Calcular o tempo de irrigação necessário para aplicar a lâmina requerida. Para aspersão convencional, o tempo de irrigação (Ti, minutos) é calculado por Ti = 6.000 x LRN / (Ia x Ei), onde Ia é a intensidade de aplicação de água do sistema (mm h-1) e Ei a eficiência de irrigação (%), que depende das características e manutenção do sistema, dentre outros fatores. Valores comumente observados em sistemas por aspersão convencional variam de 60% a 75%.
|