Embrapa Semiárido
Sistemas de Produção, 6
ISSN 1807-0027 Versão Eletrônica
Ago/2010
Sistema de Produção de Melancia

Marcos Brandão Braga
Marcelo Calgaro

Sumário

Apresentação
Socioeconomia
Clima
Solos
Adubação
Cultivares
Produção de mudas
Plantio
Irrigação
Tratos culturais
Plantas daninhas
Doenças
Pragas
Agrotóxicos
Colheita e pós-colheita
Mercado
Custos e rentabilidade
Referências
Literatura recomendada
Glossário

Expediente

Irrigação

A irrigação é uma técnica milenar que tem como finalidade disponibilizar água às plantas para que estas possam produzir de forma adequada. A técnica, ao longo dos séculos, vem sendo aprimorada, chegando aos dias de hoje a sistemas pontuais, onde a água é gotejada no momento, local e quantidade correta ao desenvolvimento das plantas.
Os diversos sistemas de irrigação disponíveis atualmente no mercado dão aos produtores uma moderna tecnologia de produção agrícola que, juntamente com manejo equilibrado da adubação e tratos culturais, reúnem todas as condições para que as plantas possam expressar todo o seu potencial genético de produção. Entretanto, a escolha do sistema de irrigação deve basear-se em análise técnico-econômica, levando em consideração o tipo de solo, topografia, clima, cultura, custo do equipamento e energia, qualidade de água disponível e mão-de-obra.
Quando se trabalha com agricultura irrigada é importante estabelecer o momento certo de iniciar as irrigações e quanto de água aplicar a uma cultura. Estes são os princípios básicos do manejo “racional” da irrigação. Do mesmo modo, o conhecimento de solos, fisiologia da cultura, períodos críticos de consumo de água e seus reflexos na produtividade são essenciais para o bom manejo de aplicação de água.
No cultivo da melancia no Semiárido brasileiro é essencial o uso da irrigação, para a obtenção de altas produtividades e frutos de boa qualidade e tamanho. A cultura da melancia se adapta a vários sistemas de irrigação, sendo mais utilizado, no vale do São Francisco, o por aspersão convencional e os por superfície — sulco — que, embora tenha uma baixa eficiência de aplicação de água, é ainda usado por pequenos produtores. Porém, com a diminuição do custo dos equipamentos usados na irrigação localizada — gotejamento —, principalmente das mangueiras, esse sistema vem aumentando sua área consideravelmente na região, com a vantagem de permitir produção elevada, com baixa incidência de doenças, além de possibilitar uma maior eficiência na aplicação de fertilizantes via água de irrigação — fertirrigação —. Esse sistema, de modo geral, trabalha com turno de rega ou frequência de irrigação menor ou igual a 3 dias, pois se caracteriza por possuir emissores de baixas vazões e por isso necessitam de mais tempo para aplicar uma determinada quantidade de água.
A maioria dos sistemas de irrigação por gotejamento trabalha na faixa de pressão de 0,5 kgf/cm2 a 2 kgf/cm2 com vazões variando de 0,5 L.h-1 a 5 L.h-1. Como regra geral, o espaçamento entre gotejadores mais usados são 0,2 m a 0,3 m para solos de textura grossa e 0,5 m a 1 m para solos de textura média e fina. Para esta cultura, existe a possibilidade de se trabalhar com um ou mais gotejadores por planta. A frequência de irrigação — turno de rega — pode variar de acordo com as condições de solo, clima, variedade e estádio de desenvolvimento da cultura. No entanto, em condições de alta demanda evaporativa e solos de texturas arenosas, comuns na região semiárida do Brasil, encontram-se frequências de irrigação de mais de uma vez por dia, ou seja, aplica-se o volume de água requerido pela cultura em duas vezes ou mais, no mesmo dia.
A cultura da melancia é bastante exigente no manejo da aplicação de água, pois uma escassez por um período curto de tempo pode afetar sobremaneira a qualidade dos frutos e a produtividade. A demanda hídrica da melancia varia de acordo com a variedade usada e a condição edafoclimática da região, podendo consumir de 300 mm a 550 mm por ciclo de produção. A demanda hídrica diária, por fase de desenvolvimento da cultura, pode ser estimada de várias maneiras. Entretanto, a estimativa da evapotranspiração da cultura (ETc), durante o ciclo de desenvolvimento da cultura é atualmente o mais usado, por ser mais prático e propiciar uma boa estimativa da demanda hídrica das culturas irrigadas. A estimativa da lâmina de irrigação pode ser feita usando-se dados agroclimáticos que propicia a determinação da quantidade de água a ser aplicada a uma dada cultura. Que pode ser estimada pelo cálculo da evapotranspiração diária ou em intervalos de dias — turno de rega — entre duas irrigações.
O tanque Classe “A” (TCA) é um instrumento simples e bastante usado na estimativa da evapotranspiração. Recomenda-se adotar certos cuidados na escolha do local e na instalação do tanque, tais como: evitar a instalação próxima a construções, açudes e ou plantações de porte alto; pois estes podem influenciar na evaporação da água que por sua vez é depende da velocidade do vento, teor da umidade relativa do ar, temperatura do ar e da insolação. O TCA deve ser colocado em um local de fácil acesso e que seja representativo da área a ser irrigada. Juntamente com o tanque devem ser instalados anemômetro e pluviômetro, aparelhos usados para medir a velocidade do vento e a precipitação, respectivamente. O TCA foi desenvolvido para simular a evaporação da superfície de um lago, porém foi adaptado para estimar a evaporação na superfície do solo, para tanto foram ajustados coeficientes do tanque (Kp). Existe valor de Kp para duas condições de cobertura do solo, onde se considera a umidade relativa do ar, bordadura da área de instalação e velocidade do vento local (Tabela 1).
A maioria dos irrigantes usa somente um valor médio de Kp para todo o ano, o que pode acarretar em erros por excesso ou escassez do volume de água a ser aplicada via irrigação e causar danos ao desenvolvimento e produção das culturas. Recomenda-se determinar, se possível, valores de Kp diário e ajustar valores médios para cada mês do ano. Normalmente, obtido pela análise de dados históricos, para o polo irrigado Petrolina, PE/Juazeiro, BA, usa-se valor médio de Kp = 0,75 para todo o ano.
De posse dos valores de Kp, para o cálculo da evapotranspiração de referência (ETo), basta usar a expressão:
ETo = Ev x Kp (1)

Onde: ETo é a evapotranspiração de referência (mm/dia) e Ev é a evaporação da água no tanque Classe “A” (mm/dia).

Tabela 1. Valores do coeficiente do tanque Classe “A” (Kp), em função dos dados meteorológicos da região e do meio em que está instalado.


Exposição A.

(Tanque circundado por grama)

Exposição B.

(Tanque circundado por solo nu)

UR %

Média


Baixa

< 40

Média

40-70

Alta

> 70


Baixa

< 40

Média

40-70

Alta

> 70

Vento

(km/dia)

*R (m)




*R (m)





1

0,55

0,65

0,75

1

0,70

0,80

0,85

Leve

10

0,65

0,75

0,85

10

0,60

0,70

0,80

<175

100

0,70

0,80

0,85

100

0,55

0,65

0,75


1000

0,75

0,85

0,85

1000

0,50

0,60

0,70


1

0,50

0,60

0,65

1

0,65

0,75

0,80

Moderado

10

0,60

0,70

0,75

10

0,55

0,65

0,70

175-425

100

0,65

0,75

0,80

100

0,50

0,60

0,65


1000

0,70

0,80

0,80

1000

0,45

0,55

0,60


1

0,45

0,50

0,60

1

0,60

0,65

0,70

Forte

10

0,55

0,60

0,65

10

0,50

0,55

0,75

425-700

100

0,60

0,65

0,75

100

0,45

0,50

0,60


1000

0,65

0,70

0,75

1000

0,40

0,45

0,55


1

0,40

0,45

0,50

1

0,50

0,60

0,65

Muito Forte

10

0,45

0,55

0,60

10

0,45

0,50

0,55

>700

100

0,50

0,60

0,65

100

0,40

0,45

0,50


1000

0,55

0,60

0,65

1000

0,35

0,40

0,45

Obs: R= menor distância do centro do tanque Classe A até a bordadura onde não mais existirá grama ou solo nu.
Fonte: Adaptado de Doorenbos e Pruitt (1977).

Com advento das estações agrometeorológicas e de programas computacional o ETo pode ser obtido diretamente das estações, dispensando-se o uso do TCA.
Para a estimativa da evapotranspiração da cultura (ETc) ou lâmina líquida a ser aplicada (LL), utiliza-se a relação:
ETc = LL = Kc x ETo (2)

Onde: ETc ou LL é dada em mm/dia e Kc é o coeficiente de cultura (decimal), que é usado para ajustar os valores de ETo às condições de desenvolvimento da cultura.
A base técnico-científica para o uso do Kc é a que as plantas necessitam de uma quantidade de água maior ou menor de acordo com os seus estádios de desenvolvimento, ou seja, uma planta de melancia na fase inicial de desenvolvimento possui menor exigência hídrica que na frutificação.
Trabalho desenvolvido no Estado do Piauí com a cultura da melancia determinou os coeficientes de cultura (Kc) de: 0,50 para as duas primeiras semanas após a germinação; 0,80 quando se encontra em pleno desenvolvimento vegetativo; 1,10 na floração até o desenvolvimento dos frutos e 0,70 a partir do período anterior. Trabalhando com variedade Crimson Sweet, em Canindé, CE, foram encontrados valores de Kc de 0,52; 0,98 e 0,95 para os estádios: vegetativo, floração e desenvolvimento dos frutos, respectivamente. Como ainda não se dispõe, na literatura, de valores do Kc da melancia para a região do vale do São Francisco, é mais recomendado o uso dos valores de Kc, citados anteriormente, do que os propostos na Tabela 2.

Tabela 2. Valores médios de coeficiente de cultua (Kc) da melancia.

Cultura

Estádio I

Estádio II

Estádio III

Estádio IV

Melancia

0,40 - 0,50

0,70 - 0,80

0,95 - 1,05

0,65 - 0,75

Primeiro número corresponde à condição de alta umidade relativa (UR > 70%) e vento fraco (V < 432 km/dia); e o segundo sob baixa UR (UR < 50%) e vento forte (V > 432 km/dia).
Estádio I = da emergência até 10% do desenvolvimento vegetativo (DV).
Estádio II = de 10% do DV até 80% do DV (início do florescimento).
Estádio III = desde final do estádio II até início da maturação dos frutos.
Estádio IV = Desde final do estádio III até a colheita.
Fonte: Adaptado de Doorenbos e Kassan (1979).

Assim, a quantidade de água necessária para irrigação localizada (evapotranspiração) poderá ser calculada por:

ETg = ETc x P / 100 (3)

Onde: ETg é a evapotranspiração na área irrigada por gotejamento (mm/dia) e P a porcentagem de área molhada ou área coberta pela planta (%) em relação à área total (irrigação em faixa molhada). O P também pode ser estimado usando a razão entre a área sombreada ou coberta (As), ao meio dia, e a área ocupada pela cultura. Normalmente, o uso deste conceito se dá quando a As for maior que a Am.

O cálculo da percentagem de área molhada (P) é dado por:

P = Área molhada pelos emissores/Área ocupada por planta (4)

Na literatura há orientações para que se deve adotar porcentagem mínima (Pmin) molhada para cada região: regiões úmidas: 20%; regiões áridas: 33%. Entretanto, muitos pesquisadores recomendam uma porcentagem mínima de molhamento de cerca de 40%, nas condições do Semiárido.
A lâmina bruta (Lb) ou irrigação total necessária, para irrigação localizada, é dada por:
(5)

A eficiência de irrigação (Ei) que para o sistemas de irrigação localizado devem ser maiores ou igual a 90% (Ei = 90%), dado em decimal. O S significa o somatório da evapotranspiração do período considerado entre as irrigações, ou seja, caso o manejo da irrigação aconteça em turno de rega fixo de 2 dias, deve-se somar a evapotranspiração para gotejamento (ETg) desses 2 dias, e aplicar na equação 5.
A determinação do tempo de funcionamento do sistema de irrigação varia de acordo com a lâmina de água a ser aplicada e vazão dos emissores. Para se efetuar os cálculos deve-se considerar a disposição da mancha de molhamento da superfície do solo, ou seja, se forma em faixa contínua ou por planta (Figura 1). Podendo ser calculadas da seguinte fórmula:

a)Tempo de funcionamento por posição para Irrigação em faixa contínua:

(6)

Onde: Ti é o tempo de irrigação (h); Lb é a lâmina bruta (mm), Eg é o espaçamento entre gotejadores ao longo da linha lateral (m); EL é o espaçamento entre linhas de gotejadores ou linhas laterais (m) e q é a vazão do gotejador (L/h).

Fonte: Embrapa Semiárido
Figura 1.Área da faixa molhada.

b) Tempo de funcionamento por posição para irrigação por planta (cova):
(7)
Onde: Ap é a área representada por cada planta ou cova (Ap = Ep x ELp) em m2, ou seja, Ep é o espaçamento entre plantas e ELp é o espaçamento entre linhas de plantas (m); e n é o número de gotejadores por planta (Figura 2).

Fonte: Embrapa Semiárido
Figura 2.Área representada por cada planta.

É importante observar a seguinte regra básica: quando a porcentagem de área molhada for maior que a percentagem de área coberta (sombreada), recomenda-se usar no cálculo da lâmina de irrigação a porcentagem de área molhada, caso contrário, usa-se a porcentagem de área coberta ou sombreada. Em outras palavras, uma vez que a área sombreada fique maior que a molhada deve-se passar a adotar a porcentagem de área sombreada.
Para facilitar o manejo da irrigação pode ser construída uma tabela contendo os valores de ETo, e através do uso das equações de 2 a 6, calcular os respectivos Ti, conforme o exemplo na Tabela 3.

Tabela 3. Valores de ETo e os respectivos tempos de irrigação (Ti).

ETo (mm)

Ti (min)

ETo (mm)

Ti (min)

4

70

7

119

5

85

-

-

5,6

98

-

-

6

105

15

260

Obs: Para cada estádio fenológico da cultura, que possui diferentes Kc e P, deve ser feita outra tabela.
Fonte: Dados da Embrapa Semiárido 

O intervalo entre as irrigações — frequência de irrigação ou turno de rega — é uma decisão técnica tendo com base as características de operação do sistema de irrigação da área, características físico-hídricas do solo e do estádio fenológico da cultura, desde que essa planta não sofra déficit hídrico capaz de afetar sua produção.

 

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