A
irrigação é uma técnica milenar que
tem como finalidade disponibilizar água às plantas
para que estas possam produzir de forma adequada. A técnica,
ao longo dos séculos, vem sendo aprimorada, chegando aos
dias de hoje a sistemas pontuais, onde a água é gotejada
no momento, local e quantidade correta ao desenvolvimento das plantas.
Os diversos sistemas de irrigação disponíveis
atualmente no mercado dão aos produtores uma moderna tecnologia
de produção agrícola que, juntamente com manejo
equilibrado da adubação e tratos culturais, reúnem
todas as condições para que as plantas possam expressar
todo o seu potencial genético de produção. Entretanto,
a escolha do sistema de irrigação deve basear-se em
análise técnico-econômica, levando em consideração
o tipo de solo, topografia, clima, cultura, custo do equipamento
e energia, qualidade de água disponível e mão-de-obra.
Quando se trabalha com agricultura irrigada é importante estabelecer
o momento certo de iniciar as irrigações e quanto de água
aplicar a uma cultura. Estes são os princípios básicos
do manejo “racional” da irrigação. Do mesmo
modo, o conhecimento de solos, fisiologia da cultura, períodos
críticos de consumo de água e seus reflexos na produtividade
são essenciais para o bom manejo de aplicação
de água.
No cultivo da melancia no Semiárido brasileiro é essencial
o uso da irrigação, para a obtenção de
altas produtividades e frutos de boa qualidade e tamanho. A cultura
da melancia se adapta a vários sistemas de irrigação,
sendo mais utilizado, no vale do São Francisco, o por aspersão
convencional e os por superfície — sulco — que,
embora tenha uma baixa eficiência de aplicação
de água, é ainda usado por pequenos produtores. Porém,
com a diminuição do custo dos equipamentos usados na
irrigação localizada — gotejamento —, principalmente
das mangueiras, esse sistema vem aumentando sua área consideravelmente
na região, com a vantagem de permitir produção
elevada, com baixa incidência de doenças, além
de possibilitar uma maior eficiência na aplicação
de fertilizantes via água de irrigação — fertirrigação —.
Esse sistema, de modo geral, trabalha com turno de rega ou frequência
de irrigação menor ou igual a 3 dias, pois se caracteriza
por possuir emissores de baixas vazões e por isso necessitam
de mais tempo para aplicar uma determinada quantidade de água.
A maioria dos sistemas de irrigação por gotejamento
trabalha na faixa de pressão de 0,5 kgf/cm2 a 2 kgf/cm2 com
vazões variando de 0,5 L.h-1 a 5 L.h-1. Como regra geral,
o espaçamento entre gotejadores mais usados são 0,2
m a 0,3 m para solos de textura grossa e 0,5 m a 1 m para solos de
textura média e fina. Para esta cultura, existe a possibilidade
de se trabalhar com um ou mais gotejadores por planta. A frequência
de irrigação — turno de rega — pode variar
de acordo com as condições de solo, clima, variedade
e estádio de desenvolvimento da cultura. No entanto, em condições
de alta demanda evaporativa e solos de texturas arenosas, comuns
na região semiárida do Brasil, encontram-se frequências
de irrigação de mais de uma vez por dia, ou seja, aplica-se
o volume de água requerido pela cultura em duas vezes ou mais,
no mesmo dia.
A cultura da melancia é bastante exigente no manejo da aplicação
de água, pois uma escassez por um período curto de
tempo pode afetar sobremaneira a qualidade dos frutos e a produtividade.
A demanda hídrica da melancia varia de acordo com a variedade
usada e a condição edafoclimática da região,
podendo consumir de 300 mm a 550 mm por ciclo de produção.
A demanda hídrica diária, por fase de desenvolvimento
da cultura, pode ser estimada de várias maneiras. Entretanto,
a estimativa da evapotranspiração da cultura (ETc),
durante o ciclo de desenvolvimento da cultura é atualmente
o mais usado, por ser mais prático e propiciar uma boa estimativa
da demanda hídrica das culturas irrigadas. A estimativa da
lâmina de irrigação pode ser feita usando-se
dados agroclimáticos que propicia a determinação
da quantidade de água a ser aplicada a uma dada cultura. Que
pode ser estimada pelo cálculo da evapotranspiração
diária ou em intervalos de dias — turno de rega — entre
duas irrigações.
O tanque Classe “A” (TCA) é um instrumento simples
e bastante usado na estimativa da evapotranspiração.
Recomenda-se adotar certos cuidados na escolha do local e na instalação
do tanque, tais como: evitar a instalação próxima
a construções, açudes e ou plantações
de porte alto; pois estes podem influenciar na evaporação
da água que por sua vez é depende da velocidade do
vento, teor da umidade relativa do ar, temperatura do ar e da insolação.
O TCA deve ser colocado em um local de fácil acesso e que
seja representativo da área a ser irrigada. Juntamente com
o tanque devem ser instalados anemômetro e pluviômetro,
aparelhos usados para medir a velocidade do vento e a precipitação,
respectivamente. O TCA foi desenvolvido para simular a evaporação
da superfície de um lago, porém foi adaptado para estimar
a evaporação na superfície do solo, para tanto
foram ajustados coeficientes do tanque (Kp). Existe valor de Kp para
duas condições de cobertura do solo, onde se considera
a umidade relativa do ar, bordadura da área de instalação
e velocidade do vento local (Tabela 1).
A maioria dos irrigantes usa somente um valor médio de Kp
para todo o ano, o que pode acarretar em erros por excesso ou escassez
do volume de água a ser aplicada via irrigação
e causar danos ao desenvolvimento e produção das culturas.
Recomenda-se determinar, se possível, valores de Kp diário
e ajustar valores médios para cada mês do ano. Normalmente,
obtido pela análise de dados históricos, para o polo
irrigado Petrolina, PE/Juazeiro, BA, usa-se valor médio de
Kp = 0,75 para todo o ano.
De posse dos valores de Kp, para o cálculo da evapotranspiração
de referência (ETo), basta usar a expressão:
ETo = Ev x Kp (1)
Onde: ETo é a evapotranspiração de
referência (mm/dia) e Ev é a evaporação
da água no tanque Classe “A” (mm/dia).
Tabela
1. Valores
do coeficiente do tanque Classe “A” (Kp), em função
dos dados meteorológicos da região e do meio
em que está instalado. |
|
Exposição
A.
(Tanque
circundado por grama)
|
Exposição
B.
(Tanque
circundado por solo nu)
|
UR
%
Média
|
|
Baixa
< 40
|
Média
40-70
|
Alta
> 70
|
|
Baixa
< 40
|
Média
40-70
|
Alta
> 70
|
Vento
(km/dia)
|
*R
(m)
|
|
|
|
*R
(m)
|
|
|
|
|
1
|
0,55
|
0,65
|
0,75
|
1
|
0,70
|
0,80
|
0,85
|
Leve
|
10
|
0,65
|
0,75
|
0,85
|
10
|
0,60
|
0,70
|
0,80
|
<175
|
100
|
0,70
|
0,80
|
0,85
|
100
|
0,55
|
0,65
|
0,75
|
|
1000
|
0,75
|
0,85
|
0,85
|
1000
|
0,50
|
0,60
|
0,70
|
|
1
|
0,50
|
0,60
|
0,65
|
1
|
0,65
|
0,75
|
0,80
|
Moderado
|
10
|
0,60
|
0,70
|
0,75
|
10
|
0,55
|
0,65
|
0,70
|
175-425
|
100
|
0,65
|
0,75
|
0,80
|
100
|
0,50
|
0,60
|
0,65
|
|
1000
|
0,70
|
0,80
|
0,80
|
1000
|
0,45
|
0,55
|
0,60
|
|
1
|
0,45
|
0,50
|
0,60
|
1
|
0,60
|
0,65
|
0,70
|
Forte
|
10
|
0,55
|
0,60
|
0,65
|
10
|
0,50
|
0,55
|
0,75
|
425-700
|
100
|
0,60
|
0,65
|
0,75
|
100
|
0,45
|
0,50
|
0,60
|
|
1000
|
0,65
|
0,70
|
0,75
|
1000
|
0,40
|
0,45
|
0,55
|
|
1
|
0,40
|
0,45
|
0,50
|
1
|
0,50
|
0,60
|
0,65
|
Muito
Forte
|
10
|
0,45
|
0,55
|
0,60
|
10
|
0,45
|
0,50
|
0,55
|
>700
|
100
|
0,50
|
0,60
|
0,65
|
100
|
0,40
|
0,45
|
0,50
|
|
1000
|
0,55
|
0,60
|
0,65
|
1000
|
0,35
|
0,40
|
0,45
|
|
Obs: R= menor distância do centro do tanque Classe A
até a bordadura onde não mais existirá grama
ou solo nu. |
Fonte: Adaptado de Doorenbos e Pruitt
(1977). |
Com advento das estações agrometeorológicas
e de programas computacional o ETo pode ser obtido diretamente das
estações, dispensando-se o uso do TCA.
Para a estimativa da evapotranspiração da cultura (ETc)
ou lâmina líquida a ser aplicada (LL), utiliza-se a
relação:
ETc = LL = Kc x ETo (2)
Onde: ETc ou LL é dada em mm/dia e Kc é o coeficiente
de cultura (decimal), que é usado para ajustar os valores
de ETo às condições de desenvolvimento da cultura.
A base técnico-científica para o uso do Kc é a
que as plantas necessitam de uma quantidade de água maior
ou menor de acordo com os seus estádios de desenvolvimento,
ou seja, uma planta de melancia na fase inicial de desenvolvimento
possui menor exigência hídrica que na frutificação.
Trabalho desenvolvido no Estado do Piauí com a cultura da
melancia determinou os coeficientes de cultura (Kc) de: 0,50 para
as duas primeiras semanas após a germinação;
0,80 quando se encontra em pleno desenvolvimento vegetativo; 1,10
na floração até o desenvolvimento dos frutos
e 0,70 a partir do período anterior. Trabalhando com variedade
Crimson Sweet, em Canindé, CE, foram encontrados valores de
Kc de 0,52; 0,98 e 0,95 para os estádios: vegetativo, floração
e desenvolvimento dos frutos, respectivamente. Como ainda não
se dispõe, na literatura, de valores do Kc da melancia para
a região do vale do São Francisco, é mais recomendado
o uso dos valores de Kc, citados anteriormente, do que os propostos
na Tabela 2.
Tabela
2. Valores
médios de coeficiente de cultua (Kc) da melancia. |
Cultura
|
Estádio
I
|
Estádio
II
|
Estádio
III
|
Estádio
IV
|
Melancia
|
0,40
- 0,50
|
0,70
- 0,80
|
0,95
- 1,05
|
0,65
- 0,75
|
|
Primeiro número corresponde à condição
de alta umidade
relativa (UR > 70%) e vento fraco (V < 432 km/dia); e o segundo sob baixa
UR (UR < 50%) e vento forte (V > 432 km/dia).
Estádio I = da emergência até 10% do desenvolvimento vegetativo
(DV).
Estádio II = de 10% do DV até 80% do DV (início do florescimento).
Estádio III = desde final do estádio II até início
da maturação dos frutos.
Estádio IV = Desde final do estádio III até a colheita. |
Fonte: Adaptado de Doorenbos e Kassan
(1979). |
Assim, a quantidade de água necessária
para irrigação localizada (evapotranspiração)
poderá ser calculada por:
ETg = ETc x P / 100 (3)
Onde: ETg é a evapotranspiração
na área irrigada por gotejamento (mm/dia) e P a porcentagem
de área molhada ou área coberta pela planta (%) em
relação à área total (irrigação
em faixa molhada). O P também pode ser estimado usando a
razão entre a área sombreada ou coberta (As), ao
meio dia, e a área ocupada pela cultura. Normalmente, o
uso deste conceito se dá quando a As for maior que a Am.
O cálculo da percentagem de área
molhada (P) é dado por:
P = Área molhada pelos emissores/Área
ocupada por planta (4)
Na literatura há orientações
para que se deve adotar porcentagem mínima (Pmin) molhada
para cada região: regiões úmidas: 20%; regiões áridas:
33%. Entretanto, muitos pesquisadores recomendam uma porcentagem
mínima de molhamento de cerca de 40%, nas condições
do Semiárido.
A lâmina bruta (Lb) ou irrigação total necessária,
para irrigação localizada, é dada por:
(5)
A eficiência de irrigação
(Ei) que para o sistemas de irrigação localizado
devem ser maiores ou igual a 90% (Ei = 90%), dado em decimal. O
S significa o somatório da evapotranspiração
do período considerado entre as irrigações,
ou seja, caso o manejo da irrigação aconteça
em turno de rega fixo de 2 dias, deve-se somar a evapotranspiração
para gotejamento (ETg) desses 2 dias, e aplicar na equação
5.
A determinação do tempo de funcionamento do sistema de irrigação
varia de acordo com a lâmina de água a ser aplicada e vazão
dos emissores. Para se efetuar os cálculos deve-se considerar a disposição
da mancha de molhamento da superfície do solo, ou seja, se forma em
faixa contínua ou por planta (Figura 1). Podendo ser calculadas da seguinte
fórmula:
a)Tempo de funcionamento por posição
para Irrigação em faixa contínua:
(6)
Onde: Ti é o tempo de irrigação
(h); Lb é a lâmina bruta (mm), Eg é o espaçamento
entre gotejadores ao longo da linha lateral (m); EL é o
espaçamento entre linhas de gotejadores ou linhas laterais
(m) e q é a vazão do gotejador (L/h).
Fonte:
Embrapa Semiárido |
|
Figura
1.Área da faixa molhada. |
b) Tempo de funcionamento por posição
para irrigação por planta (cova):
(7)
Onde: Ap é a área representada por cada planta ou cova (Ap =
Ep x ELp) em m2, ou seja, Ep é o espaçamento entre plantas e
ELp é o espaçamento entre linhas de plantas (m); e n é o
número de gotejadores por planta (Figura 2).
Fonte:
Embrapa Semiárido |
|
Figura
2.Área representada por cada planta. |
É importante observar a seguinte regra
básica: quando a porcentagem de área molhada for
maior que a percentagem de área coberta (sombreada), recomenda-se
usar no cálculo da lâmina de irrigação
a porcentagem de área molhada, caso contrário, usa-se
a porcentagem de área coberta ou sombreada. Em outras palavras,
uma vez que a área sombreada fique maior que a molhada deve-se
passar a adotar a porcentagem de área sombreada.
Para facilitar o manejo da irrigação pode ser construída
uma tabela contendo os valores de ETo, e através do uso das equações
de 2 a 6, calcular os respectivos Ti, conforme o exemplo na Tabela 3.
Tabela
3. Valores
de ETo e os respectivos tempos de irrigação (Ti). |
ETo (mm)
|
Ti
(min)
|
ETo (mm)
|
Ti
(min)
|
4
|
70
|
7
|
119
|
5
|
85
|
-
|
-
|
5,6
|
98
|
-
|
-
|
6
|
105
|
15
|
260
|
|
Obs: Para cada estádio
fenológico da cultura, que possui diferentes Kc e
P, deve ser feita outra tabela. |
Fonte:
Dados da Embrapa Semiárido |
O intervalo entre as irrigações — frequência
de irrigação ou turno de rega — é uma
decisão técnica tendo com base as características
de operação do sistema de irrigação
da área, características físico-hídricas
do solo e do estádio fenológico da cultura, desde
que essa planta não sofra déficit hídrico
capaz de afetar sua produção. |