A produção de pimentas em regiões
com chuvas regulares e abundantes pode ser realizada sem o uso da
irrigação. Todavia, em regiões com precipitação
mal distribuída ou deficitária, o uso da irrigação
é decisivo para a obtenção de altos rendimentos
em cultivos comerciais.
A deficiência de água, especialmente durante os estádios de floração e pegamento de frutos, reduz a produtividade em decorrência da queda de flores e abortamento de frutos. Todavia, plantas de pimenta submetidas a deficiência moderada de água no solo produzem frutos mais pungentes, com maior teor de sólidos solúveis e de matéria seca. O excesso de água no solo também pode comprometer a produção de pimentas. Irrigações excessivas, principalmente em solos de drenagem deficitária, prejudica a aeração do solo e favorece o desenvolvimento de várias doenças de solo, como a causada por Phytophthora capsici.
A produtividade, a qualidade de frutos e a ocorrência de doenças também podem ser afetadas pela forma com que a água é aplicada às plantas, ou seja, pelo método de irrigação utilizado. Assim, o suprimento de água às plantas no momento oportuno e na quantidade correta, além da forma que a água é aplicada às plantas, é decisivo para o sucesso da cultura.
Alguns problemas freqüentemente observados, relacionados ao manejo inadequado da irrigação e à utilização de sistemas de irrigação não apropriados, são: baixa eficiência no uso de água, de energia e de nutrientes, maior incidência de doenças fúngicas e bacterianas, baixa produtividade e redução na qualidade de pimentas (pungência, coloração, etc.)
SISTEMAS DE IRRIGAÇÃO
Vários são os sistemas que podem ser utilizados para a irrigação da cultura de pimentas. A escolha deve ter como base a análise de vários fatores, tais como: tipo de solo, topografia, clima, custo do sistema, uso de mão-de-obra e energia, incidência de pragas e doenças, rendimento da cultura, quantidade e qualidade de água disponível.
Na Tabela 1 são apresentadas algumas características dos principais sistemas de irrigação que podem ser utilizados na cultura. No Brasil, a cultura de pimentas é irrigada principalmente pelos sistemas por aspersão, seguido pelo sistema por sulcos e, em menor escala, pelo gotejamento.
Dentre os sistemas por aspersão, o convencional semiportátil é o mais utilizado. Para a produção de pimentas em larga escala, como para páprica, tem sido utilizado o sistema pivô central. A principal vantagem da aspersão é a possibilidade de ser utilizada nos mais diversos tipos de solo e topografia e ter menor custo que o gotejamento. Por outro lado, favorece maior incidência de doenças foliares, principalmente, por remover agrotóxicos e propiciar condições de alta umidade junto ao dossel das plantas.
Dentre os sistemas superficiais, o por sulcos é o mais indicado, sendo utilizado principalmente pelos pequenos produtores de pimentas. Apresenta as vantagens de não molhar a parte aérea das plantas e ter custo inicial inferior aos demais sistemas. Não é recomendado para solos com alta taxa de infiltração, como os arenosos, terrenos de topografia declivosa ou ondulada. Outros sistemas superficiais, a exemplo da irrigação por faixas e inundação, mesmo que temporária, não devem ser utilizados, haja vista que a cultura não tolera solos com aeração deficiente.
Mais recentemente, alguns produtores de pimenta ‘Malagueta’ no estado do Ceará têm optado pelo uso do gotejamento. A grande vantagem do sistema consiste na aplicação da água de forma localizada na zona radicular sem atingir a parte aérea das plantas, minimizando a ocorrência de doenças. A fertirrigação e a economia no uso de água, em geral entre 20 e 30%, são outros grandes trunfos do gotejamento frente aos demais sistemas de irrigação. Fertilizantes, como nitrogênio e potássio, podem ser aplicados de forma parcelada via irrigação, aumentando a eficiência no uso dos mesmos e a produtividade. As principais desvantagens são o maior custo do sistema e o risco de entupimento. O custo está diretamente relacionado ao espaçamento entre linhas de plantio; assim, o sistema é mais recomendado para as pimentas cultivadas com espaçamento entre linhas acima de 1,0 m, como a ‘Malagueta’ ou aquelas com alto retorno econômico. A presença de partículas sólidas e orgânicas, de carbonatos, de ferro e de bactérias na água e a formação de precipitados insolúveis dentro da tubulação são as principais causas de entupimento de gotejadores. Este problema pode ser eficientemente contornado utilizando-se sistemas de filtragens e realizando-se o tratamento químico da água quando necessário.
Por não molharem a folhagem das plantas, os sistemas por sulcos e gotejamento podem favorecer, por outro lado, ácaros e insetos, a exemplo de pulgões, os quais são agentes transmissores de viroses, além de doenças como o oídio. A irrigação por sulcos pode favorecer ainda a disseminação de fungos e bactérias ao longo dos sulcos por meio da água de irrigação.
NECESSIDADE DE ÁGUA
DA CULTURA
A necessidade total de água da cultura de pimentas é variável, pois além das condições climáticas, depende grandemente da duração do ciclo de desenvolvimento de cada cultivar. Em termos gerais, varia de 500 a 800mm, podendo ultrapassar os 1.000mm para cultivares de ciclo longo. A necessidade diária de água, também chamada de evapotranspiração da cultura, engloba a quantidade de água transpirada pelas plantas mais a água evaporada do solo, sendo expressa em mm/dia, varia de 4 a 10mm/dia no pico de demanda da cultura.
A cultura da pimenta apresenta quatro estádios distintos de desenvolvimento com relação às necessidades hídricas. A duração de cada estádio depende da cultivar, condições edafoclimáticas e sistema de cultivo.
Estádio Inicial
O estádio inicial de estabelecimento da cultura, no caso de semeio direto no campo, vai da semeadura até as plantas atingirem 4 a 6 folhas definitivas. Para o plantio por mudas, este estádio ocorre 5 a 10 dias após o transplante. A deficiência de água pode prejudicar a germinação de sementes e o pegamento de mudas, comprometendo o estande e a produtividade. Irrigações em excesso, tanto neste quanto nos estádios subseqüentes, favorecem a maior incidência de doenças de solo.
Da semeadura até a emergência de plântulas, as irrigações devem ser leves e freqüentes procurando manter a umidade da camada superficial do solo (0 a 15cm) próxima à capacidade de campo. Neste estádio, o turno de rega médio varia de 1 a 4 dias, dependendo do tipo de solo e condições climáticas. Em solos arenosos e sob condições de alta temperatura e baixa umidade relativa do ar, por exemplo, as irrigações devem ser diárias. Sob condições climáticas extremas, podem ser necessários vários parcelamentos diários da irrigação por gotejamento.
No caso de transplante de mudas, o solo deve ser previamente irrigado, realizando uma segunda irrigação imediatamente a seguir. Daí até o estabelecimento das mudas, as irrigações devem ser realizadas a cada um a dois dias; em solos arenosos pode ser necessária mais de uma irrigação por dia.
A primeira irrigação, realizada antes do plantio ou do transplante, deve ser suficiente para elevar a umidade do solo até a capacidade de campo nos primeiros 30cm do solo. A lâmina de água a ser aplicada, dependendo do tipo e da umidade inicial do solo, varia de 15 a 25mm para solos de textura grossa e de 30 a 50mm para os de texturas média ou fina.
Estádio Vegetativo
Compreende o período entre o estabelecimento inicial das plantas e o florescimento pleno. Limitações no desenvolvimento vegetativo das plantas, resultantes da ocorrência de déficit hídricos moderados, têm pequeno efeito na produção desde que o suprimento de água no estádio reprodutivo (floração e frutificação) seja adequado. Ademais, deficiência moderada de água favorece maior desenvolvimento em profundidade do sistema radicular das plantas.
Irrigações excessivas, principalmente por aspersão, tanto neste quanto nos estádios seguintes, favorecem a maior ocorrência de doenças fúngicas e bacterianas, além de aumentar a lixiviação de nutrientes, especialmente de nitratos.
Estádio Reprodutivo
Estádio que vai da floração plena até o início da maturação de frutos. É comum, entre os diferentes tipos de pimentas, a ocorrência de um período onde existem flores, pimentas verdes e maduras, o que requer a realização de várias colheitas. Neste caso, o término do estádio reprodutivo deve ser estendido até o início da maturação das pimentas a serem apanhadas na colheita de maior produção.
O estádio reprodutivo é o mais crítico em relação à deficiência de água, especialmente durante o florescimento e pegamento de fruto. A deficiência de água favorece a queda de flores e o abortamento de frutos, além de reduzir o tamanho de fruto e favorecer a ocorrência de podridão apical. Irrigações excessivas, em solos com drenagem deficiente, prejudica a aeração do solo e favorece doenças, comprometendo a produtividade e aspectos qualitativos dos frutos. Irrigações freqüentes por aspersão devem ser evitadas em condições onde a podridão de frutos e doenças foliares são problemáticas.
Estádio de Maturação
Período entre o início da maturação de frutos e a última colheita. É o estádio menos sensível à deficiência de água no solo. Irrigações freqüentes podem prejudicar a qualidade de frutos e favorecer maior incidência de doenças, principalmente quando realizada por aspersão.
Melhor qualidade de frutos, como maior pungência em pimentas picantes, maior teor de sólidos solúveis em pimentas para molho líquido, maior teor de matéria seca e melhor coloração em pimentas para páprica e maior concentração na maturação, pode ser obtida submetendo as plantas a níveis moderados de deficiência de água no solo, por meio da adoção de turnos de rega mais espaçados que no estádio reprodutivo e/ou da antecipação do final das irrigações.
MANEJO DA ÁGUA
DE IRRIGAÇÃO
A reposição da água do solo no momento oportuno e na quantidade adequada envolve parâmetros relacionados à planta, ao solo e ao clima. Existem vários métodos disponíveis para o controle da irrigação, que apresentam vantagens e desvantagens. Métodos que permitem um controle criterioso, como o do balanço hídrico e o da tensão da água do solo, baseiam-se no conhecimento de propriedades físico-hídricas do solo, necessidades hídricas específicas da cultura e fatores climáticos associados a evapotranspiração. Estes métodos requerem equipamentos para o monitoramento da umidade do solo (tensiômetros, blocos de resistência elétrica, etc.) e/ou equipamentos para estimativa da evapotranspiração (tanque Classe A, termômetros, higrômetros, radiômetros etc.), além de pessoal qualificado.
Para a produção de pimentas em grande escala é aconselhável o uso de um método com melhor precisão que o apresentado anteriormente, como aqueles baseados na avaliação da umidade do solo e/ou da evapotranspiração da cultura em tempo real.
A precisão do método do turno de rega simplificado pode ser sensivelmente melhorada calculando-se a evapotranspiração da cultura em tempo real. Assim, o valor de ETc a ser considerado deve ser igual à média da evapotranspiração ocorrida no período entre duas irrigações consecutivas. Uma forma simples para o cálculo da evapotranspiração é o uso do tanque classe A, que pode instalado nas imediações ou dentro da área cultivada.
O manejo da irrigação pode também ser realizado por sensores que medem a tensão da água no solo, ou seja, a ‘força’ com que a água é retida pela matriz do solo. Desta forma, pode-se determinar o momento exato de se irrigar e a quantidade de água a ser aplicada por irrigação. Para a cultura de pimenta irrigada por aspersão ou sulcos, a tensão recomendada varia entre 25 e 30 kPa, durante o estádio reprodutivo, entre 50 e 60 kPa durante os estádios vegetativo e de maturação. Para gotejamento, a tensão recomendada varia de 10 a 15 kPa. O sensor mais utilizado para medição da tensão é o tensiômetro.
Um sensor de baixo custo e manutenção, recentemente desenvolvido pela Embrapa Hortaliças, é o ‘Irrigas’. O sensor não fornece leituras de tensão, mas somente indica se a tensão de água do solo está abaixo ou acima 25 kPa. Assim, pode ser utilizado durante a estádio reprodutivo da cultura de pimentas sob irrigação por aspersão ou sulcos. Na versão atualmente disponível, o sensor não é recomendado para gotejamento.
FERTIRRIGAÇÃO
Fertirrigação é o processo de aplicação de fertilizantes via água de irrigação. É apropriada para uso em sistemas por aspersão tipo pivô central e, principalmente, por gotejamento. Pela facilidade de aplicação, os fertilizantes podem ser injetados na tubulação de forma parcelada para atender às necessidades das plantas. O parcelamento permite manter o nível de fertilidade no solo próximo ao ideal durante todo o desenvolvimento da cultura, possibilitando incrementos de produtividade e minimizando a lixiviação de nutrientes.
Os principais dispositivos de injeção são: tipo venturi, tanque de diferencial de pressão e bombas injetoras (diafragma e pistão). Todos os dispositivos podem ser utilizados em sistemas por gotejamento, sendo a bomba de pistão a melhor opção para pivô central. O venturi é o mais utilizado em sistemas por gotejamento, devido seu baixo custo.
Os nutrientes mais aplicados via fertirrigação são os de maior mobilidade no solo, como o potássio e nitrogênio. O fósforo e outros nutrientes pouco móveis devem ser fornecidos, preferencialmente, como adubação básica de plantio.
Para gotejamento sugere-se aplicar de 10% a 20% da recomendação total de nitrogênio e de potássio em pré-plantio, para se ter uma reserva no solo e favorecer o desenvolvimento inicial do cultivo. O restante é fornecido via fertirrigação à medida que as plantas se desenvolvem. A ocorrência de podridão apical e a necessidade de pulverizações foliares com cálcio podem ser eliminadas aplicando-se parte do cálcio via fertirrigação durante o florescimento e a frutificação. Para solos arenosos, a fertirrigação deve ser realizada a cada 1 a 2 dias, enquanto para solos argilosos pode-se adotar uma freqüência de uma a duas vezes por semana.
Para pivô central, aplicar 1/3 do nitrogênio em pré-plantio e parcelar o restante via água de irrigação, a partir de 30 dias após o plantio, a cada duas a três semanas até o início da maturação. O potássio e o cálcio, embora menos utilizados, também podem ser aplicados via água.
Os principais fertilizantes utilizados via água são: uréia, cloreto de potássio, nitrato de cálcio, nitrato de potássio, sulfato de amônio, sulfato de potássio e cloreto de cálcio. O cálcio não deve ser aplicado em água contendo bicarbonato (acima de 400 mg/L) ou ser injetado simultaneamente com fertilizantes à base de sulfatos ou fosfatos sob o risco de precipitar e causar entupimento de tubulações e emissores.
Tabela 1. Eficiência de irrigação, custo inicial, uso de energia e mão-de-obra para diferentes sistemas de irrigação.
Sistema |
Eficiência1
(%) |
Custo
(R$/ha)
|
Energia2
(kWh/mm/ha)
|
Mão-de-obra
(h/ha/ irrigação
) |
Sulcos |
40
- 70
|
800
- 1.500 |
0,3
- 3,0 |
1,0
- 4,0 |
Convencional
portátil
|
60
- 75
|
1.000 - 2.000
|
3,0
- 6,0
|
1,5
- 3,0 |
Convencional
semi-portátil
|
60
- 75
|
1.500
– 2.500 |
3,0
- 6,0
|
0,7 – 2,5 |
Convencional
permanente
|
70
- 85
|
3.000
- 5.000 |
3,0
- 6,0
|
0,2
- 0,5 |
Autopropelido |
60
- 70
|
3.000
- 5.000 |
6,0
- 9,0
|
0,5
- 1,0 |
Pivô
central
|
75
- 90 |
3.000
- 5.000 |
2,0
- 6,0
|
0,1 - 0,7 |
Gotejamento |
75
- 95 |
3.000
- 5.000 |
1,0
- 4,0
|
0,1
- 0,3 |
1
Em
sistemas
mal
dimensionados e
sem
manutenção
adequada à
eficiência
pode
ser
ainda
mais
baixa
.
2
Altura
de recalque
entre
5 e 50 m.
Dividir
por
3,2
para
estimar
litros
de
diesel
/mm/ha.
Fonte: Adaptado de Marouelli e Silva (1998)